Gisela G. Castilho-Westphal & Marcus V. F. Girotto
Em 05 de outubro de 2008, um grave acidente ocorrido na Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (FAFEN), localizada em Laranjeiras, Sergipe, Brasil, levou ao vazamento de amônia para o rio Sergipe. Durante 24 horas foi registrada a mortalidade de toneladas de organismos aquáticos (muitos de interesse comercial) na região do acidente, afetando inclusive fazendas de cultivo de camarão que eram abastecidas com água dos ambientes contaminados. Após esse período, com a intensa renovação de água provocada pelas marés, a mortalidade praticamente cessou.
Uma das espécies afetadas por esse acidente ambiental foi o camarão Litopenaeus vannamei, que tem grande importância econômica por ser uma das espécies mais cultivadas no mundo, com uma crescente produção mundial, que no ano de 2014 chegou próximo a 4 milhões de toneladas.
A amônia é um composto que ocorre naturalmente no ambiente, especialmente em ambientes aquáticos. Ela é subproduto da decomposição da matéria orgânica por microrganismos e o produto final do catabolismo proteico de crustáceos, sendo responsável por cerca de 40 a 90% de sua excreção nitrogenada. A amônia também pode ser oriunda da poluição industrial, do lançamento de efluentes domésticos e agrícolas, de atividade vulcânica e de processos associados a mudanças ambientais e, como no caso citado, de acidentes ambientais.
Figura 1. Camarão da espécie Litopenaeus vannamei, originário do oceano Pacífico, cultivado no Brasil e em outros países do mundo. Fonte: http://bioaqua.vn/en/biosecurity-in-shrimp-farming/
A despeito da sua ampla distribuição nos ambientes aquáticos, esse composto é tóxico e pode afetar diretamente espécies de crustáceos comercialmente cultivadas. Sabe-se que animais bentônicos podem apresentar uma alta tolerância a amônia devido a adaptações ecológica. Mesmo assim, camarões como L. vannamei sofrem com a toxicidade da amônia, que em concentrações subletais podem causar alterações morfológicas, fisiológicas (ex.: redução na reprodução e no crescimento, baixa sobrevivência e redução do percentual de muda) e comportamentais (ex.: anorexia, alteração no equilíbrio e na natação). Em concentrações elevadas ela pode provocar a mortalidade de camarões peneídeos.
Em um estudo que buscou avaliar os efeitos da amônia sobre dois órgãos dos camarões (as branquiais, que atuam na respiração e na excreção, e o hepatopancreas, que faz parte do aparelho digestório dos camarões), juvenis de camarões L. vannamei foram expostos a diferentes concentrações de amônia, diluída em água e foram observados durante 24 horas. Após este período, amostras dos dois órgãos foram coletadas e analisadas em laboratório.
Figura 2. Indicação dos órgãos analisados em um camarão Litopenaeus vannamei: brânquias e hepatopâncreas. Fonte: adaptado de https://www.biolib.cz/en/image/id25438/
Nesse estudo verificou-se que os camarões expostos a amônia modificaram o comportamento natatório (nadaram mais rápido, de lado ou verticalmente ou mesmo deitavam-se no fundo do tanque) e os expostos a altas concentrações de amônia (100 mg de amônia total por litro de água) acabaram morrendo.
As análises laboratoriais mostraram que a amônia reduziu a capacidade das brânquias de se protegerem da ação da amônia, ocasionando uma maior predisposição ao desenvolvimento de lesões e a perda de função. Levando ainda à disfuncionalidade ou mesmo eventual parada de funcionamento das brânquias, resultando em asfixia. Já as alterações hepatopancreáticas podem ter sido secundariamente desencadeadas pelo processo de anóxia, induzido pelas lesões branquiais, que levaram a destruição de parte do hepatopâncreas.
Se tiver interesse em conhecer mais sobre este trabalho, acesse: http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/24058/Dissertacao%20marcus%20girotto.pdf?sequence=1