Por Camila Tavares
Olá colegas!
Para aqueles que nos últimos meses não me encontraram no CAMAR “cuidando” dos siris, eu informo a vocês que estou nos Estados Unidos no doutorado sanduiche. Encarei o desafio de viver durante seis meses na cidade de Baltimore no estado de Maryland para aprender mais sobre o tão famoso blue crab e dominar a técnica de detecção do vírus CsRV1 com o Dr Eric J Schott no Institute of Marine and Environmental Technology (IMET), pertencente a University of Maryland Center for Enviromental Science (Figura 1).
Figura 1. Fotografia do Institute of Marine and Environmental Technology (IMET). FONTE: https://imet.usmd.edu
Escolhi Maryland como o local da minha aventura, porque é um dos estados que mais produz siri-mole, onde se encontram a maior parte dos pescadores de siri, chamado aqui de crabbers, e onde se concentram os melhores restaurantes que servem siri-mole e o popular crab cake. O siri-azul é o cartão de visita de Baltimore, e isso se torna claro no momento em que você chega no aeroporto (Figura 2).
Figura 2. Decoração da Entrada do Aeroporto Internacional de Baltimore-Washington Thurgood Marshall em Baltimore, Maryland.
E a fama do siri-azul não é diferente no IMET, o Callinectes sapidus é objeto de estudo da maioria dos pesquisadores. As pesquisas realizadas no IMET são relacionadas a análise da sequência genômica do siri-azul proveniente da Baía de Chesapeake, a larvicultura para estudos comportamentais e análises bioquímicas e estudos patológicos.
Durante o período que estou no IMET, tive a oportunidade de conhecer o campus de Frostburg, Maryland para participar da semana do doutorando do Programa de pós-graduação em Ciências Ambientais Estuarinas e Marinhas (Figura 3). E o nome da cidade não mente. Em um dia muito gelado, eu pude assistir as apresentações dos pós-graduandos sobre seus respectivos projetos de pesquisa. A experiência foi incrível, pois tive contato com pesquisas de diversas áreas.
Figura 3. Campus da University of Maryland Center for Enviromental Science em Frostburg, Maryland.
Depois de ter passado no teste de Frostburg, finalmente ganhei o convite para ir ao Texas e fugir do frio por um curto período. Dr Schott foi ministrar um seminário no Marine Science Institute pertencente a University of Texas e aproveitamos para visitar os laboratórios de aquicultura marinha na cidade de Port Aransas (Figura 4) e Corpus Christ (Figura 5), onde as pesquisas envolvem a desova em cativeiro, o desenvolvimento e a criação de larvas e a nutrição de reprodutores e larvas de peixes recreacionais e comercialmente importantes, como o Red Drum (Sciaenops ocellatus ) e de Southern Flounder (Paralichthys lethostigma). Infelizmente, o campus em Port Aransas foi parcialmente destruído pelo furação Harvey em 2017 e ainda estão em fase de reconstrução. Muito material de pesquisa foi perdido. O relato de uma aluna de pós-graduação me impactou. Ela deixou seu carro no campus após o alerta de furação, e até hoje, mesmo após um ano depois, ela ainda não encontrou seu carro.
Figura 4. Laboratório para Larvicultura Marinha da
University of Texas.
Figura 5. Centro de pesquisa e incubatório de peixes marinhos da University of Texas.
Além de visitar outros laboratórios de pesquisa, eu pude visitar um sistema de produção de siri-mole. Foi aí que a animação dobrou de tamanho, pois eu estava vendo o tema da minha pesquisa presencialmente. Eu visitei o sistema de produção do mais famoso restaurante de frutos-do-mar de Baltimore, o Phillips Seafood (Figura 6). O sistema de produção é localizado na cidade de Deal Island, onde o siri-mole é produzido, beneficiado e enviado ao restaurante em Baltimore (Figura 7). Os siris-moles são produzidos em dois tipos de sistemas de cultivo, fluxo contínuo (Figura 8) e recirculação de água (Figura 9). Durante os meses de maio a outubro são produzidos siris-moles (C. sapidus) nos sistemas de cultivo, nos meses de novembro a abril a produção de siri-mole encerra, devido a baixa temperatura, e inicia o período de despesca e comercialização de ostra (Crassostrea virginica).
Figura 6. Restaurante Phillips Seafood em Baltimore, Maryland.
Figura 7. Sistema de produção de siri-mole em Deal Island, Maryland.
Figura 8. Sistema aberto de produção de siri-mole em Deal Island, Maryland.
Figura 9. Sistema de recirculação de produção de siris-mole em Deal Island, Maryland.
Os siris em pré-muda, chamado de peelers, são coletados por meio de armadilhas na baía de Chesapeake de acordo com a legislação local (tamanho mínimo de 83 mm de 1 abril a 14 julho; e de 88 mm de 15 julho a 15 dezembro). O sistema produz cerca de 5000 siris-moles por dia e são vendidos de U$11 a 50 a dúzia, dependendo do tamanho. O maior fator limitante do sistema de produção é a alta taxa de mortalidade, que chega a 30% no sistema de recirculação e até 50% no sistema aberto.
Dr Schott têm investigado a associação do vírus, chamado de reo-like vírus de Callinectes sapidus 1 (CsRV1), na mortalidade dos siris-moles nos sistemas de produção usados pela indústria americana. A aplicação de análises moleculares para CsRV1 mostrou uma prevalência média de 20% em siris coletados do ambiente natural no nordeste dos Estados Unidos. Em sistemas de cultivo em Maryland e Flórida, Dr Schott encontrou CsRV1 em 71% dos peelers mortos. Esta associação de CsRV1 com a mortalidade siri-mole sugere que o vírus pode ser um importante contribuinte para a mortalidade de siris em instalações de aquicultura e uma fonte de perda econômica para a indústria de siri-mole.
E foi devido a isso que entrei em contato com o Dr Schott e estou em seu laboratório. Durante experimentos anteriores, registrei taxa de mortalidade de siris de até 50% no sistema de recirculação. Com o intuito de investigar se o vírus CsRV1 também está causando mortalidade nos animais do Brasil e se pode infectar outras espécies, como C. danae, eu trouxe algumas amostras de Callinectes danae após mantê-los durante 22 dias em cultivo para análise.
As análises de qPCR para CsRV1 foram negativas para C. danae, porém a análise em eletroforeses revelou um novo vírus, muito semelhante a CsRV1. Atualmente estamos investigando mais sobre esse novo vírus e estou sendo treinada para realizar experimentos para avaliar a virulência do vírus quando eu voltar para o Brasil.
Diante desse cenário, podemos dizer que a produção de siri-mole no Brasil já começa com desafios para superar! Mas, ainda há muito para pesquisar!
Vou assim dando um “goodbye” e encerrando o relato da minha experiência aqui nos Estados Unidos, pois como podem perceber ainda falta tanta coisa pra fazer aqui, e devido ao curto tempo que tenho aqui… o que estava corrido, vai ficar ainda mais!