Cerca de 1,5 a 2 milhões de pessoas ao redor do mundo mantêm aquários marinhos em domicílio e em locais públicos. Esses aquários envolvem basicamente espécies habitantes de recifes de corais, ambientes onde a fauna exibe naturalmente uma grande diversidade de formas e cores1. A grande maioria dos animais é capturada da natureza, sendo somente 4% dos peixes sejam cultivados em cativeiro2,3.
A pesca ornamental de recifes de coral suporta centenas de coletores em países em desenvolvimento. Mundialmente são comercializadas de 20 a 30 milhões de peixes marinhos de 1.500 diferentes espécies para fins ornamentais por ano 2. O Brasil possui cinco estados praticantes de pesca ornamental marinha. Dentre eles, o estado do Ceará é o maior exportador de peixes marinhos, recebendo também a produção dos estados vizinhos e, neste caso, atuando como entreposto. Nos registros de exportação do IBAMA, constatou-se que foram comercializadas no Ceará um total de 143 espécies de recife e 199.304 indivíduos entre os anos de 1995 e 2000 4.
As altas taxas de captura necessárias para suprir a demanda do mercado associadas às práticas destrutivas de coleta podem provocar a sobrexplotação dos recifes 5.Como muitas espécies escondem-se em meio às rochas, em alguns países como nas Filipinas os coletores usam produtos químicos para tranquilizar ou anestesiar os peixes e assim facilitar o momento da coleta 6. Os produtos mais utilizados são o cianeto de sódio e a quinaldina, apesar de proibidos para esse fim na maior parte do mundo 7. O cianeto afeta o sistema respiratório dos organismos e pode causar sua morte semanas após a captura 5,8. A taxa de mortalidade dos indivíduos capturados com o uso do cianeto pode ser acima de 50%, além de destruir corais e outros alimentos de peixes7. Centenas de milhões de dólares já foram gastos em campanhas governamentais ou não, inibindo o uso de cianeto, porém não foram obtidos resultados satisfatórios 9. No Brasil, não se tem conhecimento a respeito do uso de substâncias 10, porém Gasparini et al. (2005) citaram o esmagamento dos corais durante a pesca da donzela de rabo amarelo Microspathodon chrysurus.
Em algumas regiões das Filipinas e da Indonésia, onde os pontos de coleta são bastante isolados, os peixes podem permanecer a bordo por vários dias anteriormente ao desembarque. Neste caso, são acondicionados em taques suspensos e separados individualmente1. Estas condições propiciam perdas significativas devido às más condições de armazenamento dos animais. Em média, há uma taxa de mortalidade de 8 a 11 % no período compreendido entre a coleta e a exportação, o que representa a perda global de 14 a 30 milhões de indivíduos anualmente 6. Até a chegada ao aquário do consumidor final, mais de 80% dos animais vão a óbito 11.
Devido ao caráter altamente seletivo da atividade, existe uma tendência de cada país em exportar um número limitado de espécies em grande quantidade de indivíduos (fig. 1) 2.Portanto, para avaliar o impacto negativo de sobrepesca causado sobre o meio ambiente é importante considerar a relevância de cada espécie no mercado de peixes ornamentais.
Fig. 1. Venda de donzelas da família Pomacentridae em loja de aquário, a família de peixes mais comercializada por todo o mundo.
Além da preferência por determinadas espécies, o mercado seleciona os indivíduos de acordo com seu tamanho. Na maioria das espécies, animais jovens são preferidos no momento da captura, pois geram menor custo de transporte, adaptam-se melhor ao cativeiro, e geralmente são mais coloridos que os adultos 2. Como estes peixes ainda não atingiram sua maturidade sexual, esta prática certamente compromete a manutenção dos estoques, pois os peixes coletados não terão oportunidade de reproduzirem-se na natureza.
Outro fator de preferência é quanto ao sexo dos peixes. Em muitas espécies, a exemplo do que ocorre com o mandarin gobie Synchiropus splendidus, os machos são selecionados pela sua maior atratividade e abundância de cores 12. Esta prática também pode afetar a existência da espécie, pois o macho tem a capacidade de fertilizar inúmeras fêmeas em seu período reprodutivo.
Portanto, para que a prática do aquarismo marinho seja ecologica e economicamente praticável é necessário o uso de medidas de controle dos estoques naturais. A atividade requer monitoramento, fiscalização, uso de métodos de coleta não agressivos e adoção de estratégias de conservação como sistemas de cotas, além do incentivo à aquicultura ornamental. A produção de peixes ornamentais em cativeiro propiciabenefícios socioambientais e econômicos (fig.2). Através do cultivo, obtêm-se um alívio na pressão causada pela coleta aos estoques naturais, além de proporcionar regularidade de produção e, muitas vezes, agregação de valor ao animal.
Fig. 2. Peixe-palhaço Maroon (Premnas biaculeatus) cultivado em cativeiro na ORA Farm, Fort Pierce, Estados Unidos.
Ana Silvia Pedrazzani
Médica Veterinária
REFERÊNCIAS
1 Wabnitz, C., Taylor, M., Green, E. & Razak, T. in Cambridge: UNEP- WCMC 64 (2003).
2 Bruckner, A., W. Revista de Biologia Tropical 53, 127-138 (2005).
3 Araújo, G. et al. Relatório da Reunião Nacional de Ordenamento de peixes marinhos e águas continentais. Ibama/Seap, Brasília. (2007).
4 Monteiro-Neto, C. et al. Biodiversity and Conservation 12, 1287-1295 (2003).
5 Olivotto, I. et al. Journal of the World Aquaculture Society 42, 135-166 (2011).
6 Wood, E. Aquarium Sciences and Conservation 3, 65-77 (2001).
7 Nolting, M. & Schirm, B. Sector Project: Policy Advice for Sustainable Fisheries, Lessons Learned nº 02. (2003).
8 Livengood, E., J. & Chapman, F., A. FA124, series of the Department of Fisheries and Aquatic Sciences, 8 (2011).
9 Cruz, F. Suppying the demand for sustainability; stories from fiel: Marine ornamentals, collection, culture and conservation. p. 13-14 (2001).
10 SAMPAIO, C. L. S. & ROSA, I. L. A coleta de peixes ornamentais marinhos na Bahia, Brasil: técnicas utilizadas e implicações à conservação (2005).
11 Unep. Consultation Process on Monitoring of International Trade in Ornamental Fish. World Conservation Monitoring Centre. European Commission Directorate General E – Environment ENV.E.2. – Development and Environment, 43. (2008).
12 Wittenrich, M. L. T. F. H. The complete illustrated breeder’s guide to marine aquarium fishes. Vol. 1 304 (2007).
Conteúdo relevante, muito explicativo e direto. Me ajudou muito com trabalho de aquicultura. Um abraço.