O USO DE COLETORES ARTIFICIAIS DE SEMENTES: UMA IMPORTANTE ALTERNATIVA PARA A VIABILIZAÇÃO DA OSTREICULTURA NO PARANÁ
Por: Gisela Geraldine Castilho-Westphall
Publicado em 09/09/14
Desde 1971, quando as primeiras tentativas de cultivo de moluscos marinhos de interesse comercial tiveram início, muitas dificuldades foram e ainda são enfrentadas, para o fortalecimento dessa atividade no país. Nestes pouco mais de 40 anos de atividade no Brasil muita coisa mudou. Comunidades tradicionais passaram, cada vez mais, a encontrar na ostreicultura uma forma para complementar ou mesmo substituir a renda familiar gerada pela pesca artesanal. Além disso, grandes empreendimentos comerciais surgiram. Mesmo assim, hoje o Brasil ainda está longe ser reconhecido como um grande produtor de ostras. Mesmo internamente, os números da atividade são modestos, pois a ostreicultura corresponde a apenas 1% do total da produção aquícola nacional.
A maior parte da produção brasileira de ostras baseia-se no cultivo de Crassostrea gigas. Contudo, esta ostra, além de exótica, não se adapta bem a diversas regiões do litoral brasileiro, principalmente em função de variações ambientais incompatíveis com sua capacidade de sobrevivência e de desenvolvimento. Ainda assim, essa espécie já é encontrada em bancos naturais da região sul do Brasil, indicando que pode estar em curso um processo de bioinvasão.
A solução para este dilema de ordem técnica e ambiental poderia estar no cultivo de ostras nativas, que já estariam adaptadas ao ambiente brasileiro, não ofereceriam maiores riscos ambientais, além de serem comercializadas como produto do extrativismo. Dentre as ostras encontradas em manguezais brasileiros, as espécies Crassostrea rhizophorae e C. brasiliana são as que apresentam maior interesse comercial. Também conhecida como ostra do mangue, C. brasiliana tem apresentado os melhores resultados na ostreicultura, além de ser considerada uma ostra de grande porte, por ultrapassar 20 cm de altura.
Com essas vantagens, não seria difícil afirmar que o cultivo de C. brasiliana é a melhor alternativa à produção de ostras do Pacífico. Entretanto, o cultivo de C. brasiliana ainda esbarra em um grande gargalo: a obtenção regular, em grande escala e a preços reduzidos de sementes.
Na falta de sementes produzidas em laboratório, a maioria dos produtores de ostras instalados no litoral brasileiro utiliza animais extraídos do manguezal para abastecer seus cultivos. No Paraná, os produtores não fazem uso apenas de sementes extraídas, mas também de indivíduos jovens para a engorda, intensificando ainda mais a exploração dos estoques, colocando em risco os bancos naturais e a própria sustentabilidade da ostreicultura regional.
O uso de coletores de sementes na baía de Guaratuba, Paraná
Uma alternativa ambientalmente menos impactante é a obtenção de sementes a partir da utilização de coletores artificiais. Os coletores são estruturas que, uma vez instaladas no ambiente, são utilizadas pelas larvas de ostras e pelos demais organismos incrustantes presentes na água, para seu assentamento (fixação). Estas estruturas deveriam ser confeccionadas em material de baixo custo e de fácil obtenção. Porém, a utilização dos coletores não deve se basear unicamente na colocação destas estruturas na água. Para que este mecanismo funcione e cumpra com seu objetivo, é necessária a realização de estudos prévios que indiquem as épocas e os locais mais apropriados para a colocação desses coletores, caso contrário, a possibilidade de insucesso é muito grande.
Sabendo disso, pesquisadores do GIA desenvolveram um estudo que teve por objetivo testar a eficiência da utilização de coletores artificiais de sementes de ostras, ao longo do ano. Para isto, colocaram os coletores na região do Cabaraquara, município e Guaratuba, no litoral paranaense.
Como foi realizado o estudo
Coletores artificiais de ostras confeccionados com material de baixo custo e de fácil aquisição foram testados em três diferentes períodos de permanência na água e em duas profundidades. Além disso, utilizou-se um protocolo molecular de análise de DNA (PCR – Reação de Cadeia de Polimerase), que permitiu a identificação das espécies de sementes de ostras do gênero Crassostrea fixadas nos coletores.
O estudo teve início em novembro de 2010, sendo concluído após 13 meses. Ao todo foram instalados na água 156 coletores, na região do Cabaraquara (baía de Guaratuba-PR).
Figura 1. Cultivo de ostras onde os coletores foram fixados. Região do Cabaraquara, baía de Guaratuba, Paraná.
Figura 2. Localização do ponto de instalação dos coletores artificiais de sementes de ostras na região do Cabaraquara, Baía de Guaratuba, Paraná.
Os coletores foram confeccionados em placas maleáveis de PVC, utilizadas em forros na construção civil. Estas placas foram lixadas previamente para que o assentamento das larvas de ostras fosse facilitado pela maior aspereza da superfície de contato dos coletores. Como lastro da estrutura coletora, foi utilizada uma garrafa PET de dois litros contendo areia e água, na proporção de 2:1. A fixação das placas e do lastro foi feita com uma corda de polietileno, de 2,0 mm de espessura. Após a montagem, cada coletor foi identificado com um lacre plástico numerado e transportado ao litoral, para sua instalação. Os coletores foram fixados em um cabo (long-line) de polipropileno, com 18 a 22 mm de diâmetro.
Figura 3. Coletor artificial de sementes de ostras preparado para a instalação.
A permanência dos coletores na água variou conforme o período testado, que, neste caso, foi o número de dias em submersão (30, 60 ou 90 dias). Em cada período havia a mesma quantidade de coletores, instalados em profundidades de 30 cm (n=3) e de 100 cm (n=3). Estes diferentes procedimentos auxiliaram na decisão de escolha de qual seria o melhor período de permanência dos coletores na água e qual sua melhor profundidade de instalação.
Figura 4. Coletores artificiais de sementes de ostras confeccionados em placas de PVC e dispostos em profundidades de 30 e 100 cm.
Concluído o período de submersão, os coletores foram retirados da água, embalados individualmente em sacos plásticos e encaminhados para o Laboratório de Pesquisa de Organismos Aquáticos (LAPOA), do Grupo Integrado de Aquicultura e Estudos Ambientais, da Universidade Federal do Paraná (GIA/UFPR), em Curitiba-PR. O período total de transporte nunca foi superior a 4 horas.
Coletores retirados da água eram sempre substituídos por outros novos, que seriam mantidos por igual período, na mesma profundidade. Este procedimento foi contínuo e nenhum coletor foi reutilizado, para padronização do método de análise. Porém, durante a utilização destes coletores em cultivos comerciais, será possível reutilizá-los, reduzindo custos durante o cultivo.
Chegando ao LAPOA, iniciavam-se imediatamente os procedimentos de acondicionamento, limpeza e processamento das sementes.
Figura 5. Etapas do manejo realizado com os coletores artificiais de sementes de ostras, após o período de permanência na água. LAPOA = Laboratório de Pesquisas de Organismos Aquáticos, do Grupo Integrado de Aquicultura e Estudo Ambientais, da Universidade Federal do Paraná, localizado em Curitiba-PR.
As peneiras utilizadas na classificação das sementes possuíam malhas com aberturas semelhantes às usualmente utilizadas em lanternas pelos ostreicultores da região do Cabaraquara (0,2; 0,5; 2,0; e, 4,0 cm). Desta forma, a metodologia de classificação de sementes aqui empregada poderia ser facilmente utilizada pelos produtores da região, com o material existente.
A identificação genética das sementes foi sempre realizada em pools com quatro sementes, de modo que fosse garantida a quantidade suficiente de material a ser analisado, sem perder a eficiência do método.
Quantidade de larvas fixadas nos coletores
No período de estudo foram coletadas mais de 11 mil sementes de ostras com tamanho superior a 0,2 cm (54% com 30 dias, 34% com 60 dias e 12% com 90 dias).
A manutenção dos coletores por 90 dias na água não se mostrou produtiva. Além de apresentarem quantidades excessivas de incrustações indesejadas, dificultando a identificação e a retirada das sementes, o aumento de peso dos coletores fez com que as placas de PVC se chocassem, umas contra as outras. O atrito entre estas placas, por sua vez, provocava a queda de sementes durante a retirada dos coletores.
Figura 6. Progressão no aumento de organismos incrustantes em coletores artificiais de sementes de ostras que permaneceram na água por 30, 60 e 90 dias.
CONCLUSÕES
- Os coletores testados se mostraram eficientes na obtenção de sementes.
- A permanência dos coletores na água por 30 dias permitiu a obtenção de um maior número de sementes das maiores classes de tamanho.
- O melhor período de permanência dos coletores na água foi de 30 dias, por concentrar uma maior quantidade sementes com tamanho entre 2,0 e 4,0 cm.
- O melhor período para instalação dos coletores foi entre os meses de outubro e dezembro, com retiradas em novembro, dezembro e janeiro. A colocação de coletores em outras épocas do ano significaria apenas custos e baixo rendimento, sendo, portanto, desaconselhável.
- A colocação de coletores em 100 cm de profundidade e a seleção de animais com tamanho superior a 2,0 cm poderá reduzir a possibilidade de coleta de sementes de Crassostrea sp., aumentando a probabilidade de coleta de C. brasiliana, que, por sua vez, apresentaos melhores rendimentos zootécnicos e econômicos.