Por: Nathieli Cozer, Ana Silvia Pedrazzani e Camila dos Santos Tavares
A senciência é a capacidade de ter consciência de sensações e sentimentos (DUNCAN, 1996). Conforme a confirmação da senciência dos peixes ganha destaque, a preocupação com o bem-estar animal aumenta, influenciando o mercado consumidor e as regulamentações da aquicultura.
O bem-estar animal caracteriza o estado em que se encontram os animais, e aponta as estratégias para incrementar a sua qualidade de vida. Uma vez que os peixes possuem a capacidade de sentir dor (senciência), seu bem-estar deve ser assegurado, dentro mesmo raciocínio empregado para outros animais vertebrados.
O sistema relacionado à consciência da dor faz parte de uma estrutura cerebral complexa. Resumindo, as estruturas do cérebro que transmitem a dor em outros vertebrados também são encontradas em peixes (Figura 1). Além disso, nas situações de risco, os peixes sentem-se estressados, reforçando a evidência de que podem sentir e reagir conscientemente a diferentes estímulos de maneira similar aos mamíferos, sob o ponto de vista da fisiologia e da psicologia (PEDRAZZANI et. al., 2007).
Figura 1: Semelhanças entre os peixes e o ser humano. Fonte: Pedrazzani et. al., 2007
Em 1979, o Farm Animal Welfare Council, uma organização britânica, formalizou as cinco liberdades, observadas na Figura 2, que ainda hoje são usadas como referência para a avaliação do bem-estar animal. São elas: 1) Liberdade Sanitária; 2) Liberdade Comportamental; 3) Liberdade Alimentar e Nutricional; 4) Liberdade Ambiental e 5) Liberdade Psicológica.
Figura 2: As 5 Liberdades utilizadas para a avaliação do grau de Bem-estar animal. Fonte: BSDCONSULTING
Na piscicultura, o grau de bem-estar pode ser influenciado pelo manejo rotineiro, causando estresse devido à introdução de objetos estranhos na água, retirada do animal do ambiente aquático para contenção individual ou aglomeração subaquática, entre outros (CONTE, 2004). Por exemplo, o manejo necessário para a classificação e biometria dos peixes pode causar estresse físico e psicológico. Além disso, a qualidade da água e os parâmetros ambientais associados requerem grande atenção, como por exemplo, o oxigênio dissolvido na água, pH, temperatura e luminosidade que são fatores ambientais que podem comprometer a homeostase dos peixes (PEDRAZZANI, 2007).
A densidade de estocagem em sistemas de piscicultura é outro importante ponto crítico de bem-estar em cultivos, pois, se empregada de maneira equivocada, pode afetar o comportamento dos peixes. Para manutenção do bem-estar uma dieta nutricionalmente equilibrada é fundamental para manter o funcionamento orgânico normal e a resistência dos peixes às doenças (ROBB, 2002).
De acordo com VAN DE VIS (2003), outro ponto crítico de bem-estar é o manejo pré-abate e abate. Durante a captura em massa os peixes podem sofrer múltiplas lesões devido à superlotação, resultando em produção excessiva de muco, perda de escamas, danos às brânquias epitélio, hematomas e fraturas ósseas e condições ambientais extremas, como exposição ao ar e à luminosidade, bem como choque na qualidade da água.
Segundo PEDRAZZANI (2020) devido ao número e à diversidade de pontos críticos de bem-estar na piscicultura, avaliar o grau de bem-estar dos peixes cultivados requer o desenvolvimento de técnicas de diagnóstico da situação e demanda mudanças nas práticas pecuárias. Estas práticas precisam incentivar o desenvolvimento de técnicas humanitárias de produção. Ainda, ao incluir questões de bem-estar animal na piscicultura, pode-se elevar a cadeia produtiva de peixes a uma posição de destaque no cenário nacional e internacional.
Referências
DUNCAN, I.J.H. Animal welfare defined in terms of fee-lings. Acta Agriculturae Scandinavica, Section A, Animal Science, Supplementum, v. 27, p. 29-35, 1996.
PEDRAZZANI, A. S., Ostrensky Neto, A., Falanghe Carneiro, P. C., Valentini Gayer, M., & Forte Maiolino Molento, C. (2008). OPINIÃO PÚBLICA E EDUCAÇÃO SOBRE ABATE HUMANITÁRIO DE PEIXES NO MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA, PARANÁ. Ciência Animal Brasileira, 9(4), 976–996.
PEDRAZZANI, Ana Silvia et al. Tilapia on-farm welfare assessment protocol for semi-intensive production systems. Frontiers in Veterinary Science, v. 7, p. 991, 2020.
PEDRAZZANI, Ana Silvia et al. Senciência e bem-estar de peixes: uma visão de futuro do mercado consumidor. Panorama da aquicultura, v. 102, p. 24-29, 2007.
CONTE, F. S. Stress and the welfare of cultured fish. Applied Animal Behaviour Science, v. 86, n. 3-4, p. 205-223, 2004.
ROBB, D. H. F.; KESTIN, S. C. Methods used to kill fish: field observations and literature reviewed. Animal welfare, v. 11, n. 3, p. 269-282, 2002.
VAN DE VIS, Hans et al. Is humane slaughter of fish possible for industry?. Aquaculture research, v. 34, n. 3, p. 211-220, 2003.