A importância do uso de biomarcadores histológicos em estudos de contaminação ambiental
Thayzi Zeni (30/06/2014)
A histologia é uma ferramenta muito útil para diagnósticos dos efeitos agudos e crônicos de agentes químicos para em peixes (Akaishi et al., 2004). Os biomarcadores histológicos permitem visualizar os efeitos da exposição a vários agentes, biológicos e químicos, sendo considerados uma importante ferramenta na avaliação de alterações patologias em peixes (Van der Oost et al., 1996).
A ampla utilização da histologia como uma ferramenta para o diagnóstico de impactos ambientais deve-se à sua posição intermediária dentro do espectro de complexidade biológica (Adams et al., 1989; Heath, 1995) e no aparecimento de alterações em curto e médio prazo, dependendo, portanto, da concentração de contaminante e do tempo de exposição.
A histologia também permite que se façam inferências sobre possíveis condições de higidez dos peixes submetidos a grandes alterações ambientais, apresentando baixo custo e possibilitando a obtenção de resultados em curtos períodos de tempo (Johnson et al., 1993).
Essa ferramenta também permite uma abordagem relativamente rápida e fácil de identificação de alterações em diversos tecidos e órgão de peixes (Johnson, et al., 1993), principalmente brânquias, fígado, rim e pele (Bernet, et al., 1999). Este método também representa uma ferramenta útil na avaliação de efeitos sub-letais e crônicos de exposição a agentes químicos (Cengiz e Unlu, 2003) como o petróleo e seus derivados, por exemplo (Van der Oost et al., 2003). Além disso, as características histológicas de órgãos alvos específicos podem expressar condições ambientais e representar o tempo de exposição aos quais estão submetidos os organismos (Schmalz et al., 2002). Sendo assim, aparecem como uma resposta a estressores sub-letais sendo um método eficiente na avaliação do comprometimento de tecidos e órgãos de espécimes expostos a agentes químicos estressores (Johnson et al., 1993).
Várias metodologias já foram descritas (Beçak e Paulete, 1976; Bernet et al., 1999; Bucke, 1989; Cardoso, 2006), embora apresentem diferentes abordagens na avaliação dos danos.
Entre os órgãos e tecidos mais estudados, o fígado destaca-se como um dos principais, por seu potencial de biotransformação, bioativação e excreção de xenobiontes, podendo refletir a exposição aos contaminantes de modo eficiente (Bernet et al., 1999) (Figura 2).
O rim também se destaca como órgão alvo na histologia, por estar envolvido em processos de regulação osmótica e iônica e ser o principal responsável pelo transporte de íons divalentes (Randall et al., 1999), na regulação iônica de teleósteos marinhos e de água doce (Katoh et al., 2006).
As brânquias e a pele exibem extensas superfícies que estão permanentemente em contato com o ambiente externo, por isso foram base para vários estudos (Winkaler et al., 2001; Fujimoto et al., 2008; Costa et al., 2009, Montes et al., 2010, Santos et al., 2011). Elas atuam como interface seletiva entre os ambientes interno e externo e possuem células de muco, que desempenham importante papel na proteção do epitélio a substâncias tóxicas e patogênicas. Além disso, as brânquias também atuam na fisiologia da osmorregulação e na troca de gases (Bernet et al., 1999) (Figura 1).
Figura 1. Cinética de um agente lesivo sobre brânquias e fígado de peixes. Fonte: adaptado de Pilchowski (2003).
Uma gama de agentes químicos pode promover alterações significativas em parâmetros histológicos de peixes, podendo estes tecidos ser caracterizados como biomarcadores histológicos. A identificação e mensuração destas alterações podem ser utilizadas para determinar a significância e amplitude de impactos causados ao ambiente aquático pela contaminação por estes compostos, seja em análise inicial como em monitorias subsequentes (Lam e Gray, 2003).
Inúmeros estudos realizados com peixes descrevem alterações histológicas decorrentes da exposição à agentes químicos de origem antrópica, tais como os agrotóxicos (Neškovic et al., 1996, Jiraungkoorskula et al., 2002, Langiano e Martinez., 2008). Estes químicos são muito perigosos, uma vez que são elaborados com o objetivo de eliminar algumas formas de vida e, por isso, podem atingir de modo letal espécies não-alvo (Albinati et al., 2009). Como exemplos de agrotóxicos amplamente utilizados, cujos efeitos são estudados através do uso de peixes como MB, têm-se o Roundup (Langiano e Martinez, 2008; Albinati et al., 2009), o metil paration – principal composto do pesticida comercial Folidol 600 (Fanta et al., 2003), o methiocarb e o endosulfan (Altinok e Capkin, 2007).
Os metais pesados, por sua vez, apesar de ocorrerem naturalmente no ambiente e de alguns serem considerados elementos essenciais aos processos biológicos (por exemplo, ferro, cobre, zinco e cobalto), podem ser tóxicos quando em concentrações elevadas (Kennish, 1991; Dallinger e Raimbow, 1993; Heath, 1995). Dentre os metais avaliados na indução de alterações histopatológicas em peixes estão o cloreto de mercúrio (Handy e Penrice, 1993; Dias et al., 2007), o mercúrio (Cardoso et al., 2009), zinco (Abdel-Warith et al., 2011), ocloreto de níquel (Athikesavan et al., 2006) e o nitrato de chumbo (Khan et al., 2011).
Análises histológicas também têm sido realizadas para avaliar os efeitos de petróleo e seus derivados sobre peixes. Sabe-se que quantidades sub-letais de hidrocarbonetos podem provocar danos estruturais e funcionais nas brânquias, fígado, tecido cerebral e também nas gônadas dos peixes (Mcdonald et al., 1996).Já foram avaliados, em condições de laboratório, peixes expostos a fração solúvel do petróleo (Akaishi et al., 2004), petróleo bruto (Silva et al., 2009) e também à sua emulsão (Engelhardtet al., 1981). Alguns estudos utilizando peixes como biomarcadores são realizados in loco, utilizando exemplares coletados em área atingida por vazamento de óleo combustível (Giari et al., 2012) e também em locais atingidos pelo vazamento de óleo bunker e metanol (Katsumiti et al., 2009).
A histologia, no entanto, não é uma ferramenta específica para o diagnóstico de um tipo particular de contaminação e, isoladamente, pode gerar dados relacionados à resposta biológica ocorrida após a exposição de misturas complexas, não sendo capaz de identificar a causa pontual da lesão. Por este motivo, experimentos laboratoriais são de suma importância para identificar a relação específica de alguns tipos de agentes químicos com alterações histopatológicas. Nesse contexto, a aplicação de análises histológicas deve estar sempre associada ao uso de outras metodologias de avaliação ambiental que permitam a identificação de qual substância está impactando os peixes.
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