Por Vilmar Biernaski
30 de janeiro de 2017
Os Chondrichthyes, comumente conhecidos como peixes cartilaginosos possuem como característica um esqueleto totalmente formado por cartilagem, coberto por um tecido específico, chamado de cartilagem prismática calcificada. A classe Chondrichthyes inclui os tubarões, as arraias e as quimeras. Nos últimos anos, tem sido observada, em indivíduos da classe Chondrichthyes, a forma de reprodução assexuada conhecida como partenogênese, revelando interessantes aspectos evolutivos em relação a reprodução dos peixes cartilaginosos.
A partenogênese pode acontecer com indivíduos que possuem reprodução do tipo sexuada, mas que em condições específicas de ambiente ou de alteração química, conseguem se reproduzir sem a troca de gametas. Nestes casos, o óvulo desenvolve-se sem que haja a união com o gameta masculino, sendo que o indivíduo nascido, possuirá apenas material genético proveniente da fêmea. Este fenômeno reprodutivo é comum em alguns invertebrados, e em algumas ocasiões aparece também em vertebrados como répteis, anfíbios e peixes.
O primeiro caso relatado deste tipo de reprodução, envolvendo membros da classe Chondrichthyes, reporta-se a um Tubarão-de-pala (Sphyrna tiburo) nascido em cativeiro, no zoológico de Henry Doorly em Omaha, Nebraska, no ano de 2001. Como a fêmea progenitora estava isolada de indivíduos machos em seu tanque, por mais de três anos, acreditou-se que ela poderia ter sêmen armazenado em seu corpo, advindo de uma cópula com um macho selvagem antes de sua captura. Entretanto, após testes de DNA com o filhote nascido, constatou-se que este possuía apenas material genético vindo desta fêmea, o que confirmou a partenogênese.
Figura 1 – Tubarão-de-pala (Sphyrna tiburo) nascido em Nebraska. Fonte: https://www.newscientist.com/gallery/virgin-birth/?cmpid=RSS%25257CNSNS%25257C2012-GLOBAL%25257Clife
Diante deste fenômeno, surgiu uma questão: A partenogênese, em Chondrichthyes, aconteceria apenas por causa do estresse e condições do cativeiro, ou poderia também ocorrer no ambiente natural?
Em 2015, estudos publicados por Fields, Feldheim et al. 1 demonstraram que a partenogênese estava ocorrendo também em condições naturais. Nestes estudos, os autores relataram que Peixes-serra-de-dentes-pequenos (Pristis pectinata), habitantes dos rios da Flórida, tiveram suas populações extremamente reduzidas e provavelmente, estariam usando a partenogênese como recurso reprodutivo. Os dados coletados pelos pesquisadores demonstraram que 3,7% dos indivíduos capturados tinham sido gerados a partir da partenogênese, pois possuíam nível de homozigose genética extremamente elevado. O fato de o Peixe-serra-de-dentes-pequenos encontrar-se em perigo de extinção, levou os pesquisadores a concluírem que a baixa oferta de parceiros para o acasalamento, fez com que as fêmeas passassem a se reproduzirem desta maneira.
Figura 2 – Peixe-serra-de-dentes-pequenos (Pristis pectinata). Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2015/06/femeas-de-peixe-ameacado-dao-luz-virgens.html
Recentemente, relatou-se um novo caso de partenogênese no aquário de Townsville, na Austrália. Duas fêmeas de Tubarão-zebra (Stegostoma fasciatum), geraram, no primeiro semestre de 2016, quatro filhotes sem que houvesse a fecundação por um macho. O que surpreendeu os pesquisadores foi o fato de que a fêmea mais velha, já tinha se reproduzido várias vezes, porém de forma sexuada. O isolamento de seu antigo companheiro, fez com que a fêmea, em um curto período de aproximadamente dois anos, mudasse sua reprodução da forma sexuada para a assexuada. Isto demonstra como o sistema reprodutivo destes animais pode ser flexível.
Figura 3 – Tubarões-zebra (Stegostoma fasciatum) nascidos em Townsville. Fonte: http://www.nationalgeographic.com.au/animals/shark-surprises-aquarium-with-rare-virgin-birth.aspx
Apesar de parecer um grande passo evolutivo e uma adaptação reprodutiva as mudanças do ambiente, a partenogênese tem preocupado os pesquisadores. A reprodução sexuada garante que haja variabilidade genética na natureza. Caso aumentem os eventos naturais de partenogênese, os indivíduos gerados, provavelmente, serão menos adaptados do que se tivessem genes vindos de um macho e de uma fêmea. Em casos extremos, esta adaptação poderá levar ao desaparecimento de vários indivíduos, culminando até mesmo, na extinção da espécie.
Referências:
FIELDS, A. T. et al. Facultative parthenogenesis in a critically endangered wild vertebrate. Current Biology, v. 25, n. 11, p. R446-R447, ISSN 0960-9822. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1016/j.cub.2015.04.018 >. Acesso em: 2017/01/27.
DUDGEON, C. L. et al. Switch from sexual to parthenogenetic reproduction in a zebra shark. Scientific Reports, v. 7, p. 40537, 01/16/online 2017. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1038/srep40537 >.
CHAPMAN, D. D. et al. Virgin birth in a hammerhead shark. Biology Letters, v. 3, n. 4, p. 425-427, 2007.
HEDRICK, P. W. Virgin birth, genetic variation and inbreeding. Biology Letters, v. 3, n. 6, p. 715-716, 2007. Disponível em: < http://rsbl.royalsocietypublishing.org/content/roybiolett/3/6/715.full.pdf >.
BOOTH, W. et al. Facultative parthenogenesis discovered in wild vertebrates. Biology Letters, 2012.