Por: Gisela Geraldine Castilho Westphal
Nos últimos meses tem-se noticiado inúmeros casos de infecção em seres humanos pelo novo coronavírus (Covid-19). Segundo relatório 09 de março de 2020 da Organização Mundial da Saúde já são mais de 100 mil casos confirmados, em 104 países e próximo a 4 mil mortes OMS (2020).
A família Coronaviridae compreende muitos gêneros e espécies, incluindo importantes patógenos humanos e veterinários que causam doenças respiratórias, gastrointestinais, cardiovasculares e neurológicas (Schutze 2016). São vírus envolvidos por um envoltório chamado envelope, que apresenta diversas espículas de glicoproteínas, que dão à partícula viral um aspecto de coroa. Por isso, o nome Coronaviridae, que deriva do termo em latim Corona, que significa coroa (Dezengrini 2007).
Importantes doenças são relacionadas a este gênero e os animais aquáticos não estão livres destes agentes patogênicos.
Figura 1. Vírions da família Coronaviridae. A) Microscopia eletrônica de vírions do SARS-Co. B) Ilustração esquemática de um vírion com os seus componentes. M: proteína de membranas; E, S: glicoproteínas do envelope, N: nucleoproteína; RNA: genoma. Fonte: adaptado de Dezengrini (2007).
Entretanto, há poucos relatos de coronavirus em organismos aquáticos, como mamíferos marinhos (ex.: beluga e golfinho) e peixes da família Cyprinidae (Schutze 2016). Na Tabela 1 estão os vírus relatados em peixes.
Tabela 1. Coronovirus que infectam peixes. Adaptado de (Schutze 2016).
Os Bafinivirus recebem este nome por apresentarem morfologia baciliforme (ba-), serem descritos em um peixe (fi-) e serem da ordem Nidovirales, portanto, nidovirus (ni-).
O White Bream Virus (WBV) foi isolado em douradas brancas saudáveis capturadas na Alemanha, durante um monitoramento de patógenos de peixes de água doce de vida livre. Sob condições de laboratório se replicou a 20-26ºC e teve efeito citopático sobre as células que infectou. Como não houve relato de patologias associadas a presença do WBV, consideraram-se os ciprinídeos como seus hospedeiros naturais. Entretanto, patógenos ainda não identificados, mas com características morfológicas, físicas, químicas e genéticas muito semelhantes ao WBV foram isolados em ciprinídeos como peixes dourados (Carassius a. auratus), tenca (Tinca tinca) e carpa capim (Ctenopharyngodon idella), causando hemorragia nas brânquias e pele, ulceração da pele, exaustão, redução na ingestão de alimento e aumento na produção de muco. Essas partículas virais apresentaram semelhança com o vírus da cabeça amarela, isolado em camarões, além de semelhança morfológica com vírus isolados em siri-azul (Callinectis sapidus), siri-europeu (Carcinus maenas) e camarão (Penaeus monodon) (Granzow, Weiland et al. 2001).
Figura 2. White bream virus (WBV). Barra de 150 nm. Fonte: adaptado de Granzow, Weiland et al. (2001).
O Fathead minnow vírus (FHMNV) foi isolado pela primeira vez em peixes Pimephales promelas moribundos. Estes animais apresentavam hemorragia na pele e nos olhos, lesões hepáticas, esplênicas e renais (Iwanowicz 2002) e mortalidade (Batts, Goodwin et al. 2012). A análise filogenética mostrou que o FHMNV era distinto do WBV, mas seu parente mais próximo identificado até o momento. Portanto, o FHMNV parece representar uma segunda espécie no gênero Bafinivirus (Batts, Goodwin et al. 2012).
O Chinook salmon bafinivirus (CSB) foi relatado pela primeira vez em 2014, após identificação em salmões Chinook (Oncorhynchus tshawytscha) coletados no Canadá em 2008 (Raymond 2008). O CSB apresenta similaridade com WBV e FHMNV.
Outros relatos em peixes da presença de vírus similares a coronavirus são descritos, embora ainda não haja consenso sobre sua real classificação, por faltarem dados genômicos e/ou morfológicos e, portanto, não serem oficialmente listados pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV), como, por exemplo:
- O vírus Ctenopharyngodon idella Hungria 33/86 (CIVH 33/86), isolado de uma carpa de capim aparentemente saudável (Cyprinus idella) em 1986.
- O coronavirus da carpa, isolado de uma carpa comum que morreu após sofrer uma infecção aguda (eritema ventral, necrose hepática e renal).
- Ana-Aki-Byo associada à viremia da carpa, associado a altas taxas de mortalidade em carpas coloridas no Japão (1997-1998), causando necrose de diversos órgãos.
Vale ressaltar que nenhum destes vírus descritos em peixes foi considerado de caráter zoonótico, ou seja, não foi relacionado a doenças transmitidas a seres humanos.
Referências
Batts, W. N., A. E. Goodwin and J. R. Winton (2012). “Genetic analysis of a novel nidovirus from fathead minnows.” 93(6): 1247-1252.
Dezengrini, L. T. L. R. (2007). Coronaviridae. Virologia Veterinária. E. F. Flores. Santa maria, Editora UFSM. 1: 73.
Granzow, H., F. Weiland, D. Fichtner, H. Schütze, A. Karger, E. Mundt, B. Dresenkamp, P. Martin and T. C. Mettenleiter (2001). “Identification and ultrastructural characterization of a novel virus from fish.” 82(12): 2849-2859.
Iwanowicz, L. R. G., A. E. (2002). “A new bacilliform fathead minnow rhabdovirus that produces syncytia in tissue culture.” Archives of virology 147(5): 16.
OMS, O. M. d. S. (2020). Coronavirus disease 2019 (COVID-19). Situation Report – 45, OMS: 9.
Raymond, M. J., Lord,S.D., Kropinski,A.M. and Stevenson,R.M.W. (2008). NIDO. GenBank. ViPR.
Schutze, H. (2016). Coronaviruses in Aquatic Organisms. Aquaculture Virology. F. S. B. Kibenge and M. G. Godoy, Elsevier Inc. 1: 327-335.
Schütze, H., R. Ulferts, B. Schelle, S. Bayer, H. Granzow, B. Hoffmann, T. C. Mettenleiter and J. Ziebuhr (2006). “Characterization of White Bream Virus Reveals a Novel Genetic Cluster of Nidoviruses.” 80(23): 11598-11609.