Por: Dr.Giorgi Dal Pont
A presença de carbono orgânico dissolvido e outras substâncias húmicas desempenham um papel importante nas características físicas e químicas de ambientes aquáticos. No Brasil, um dos casos mais famosos desse papel é o da água preta do Rio Negro. A água preta é extremamente pobre em sais minerais, nutrientes e eletrólitos devido à pouca movimentação e ao suave relevo das suas regiões de origem, os Escudos da Guiana e do Brasil Central ou nos sedimentos terciários. Nessas regiões os processos de erosão são pouco intensos e reduzidos pelo revestimento de floresta e a água proveniente da precipitação penetra no solo coberto pela vegetação e carrega consigo várias substancias orgânicas, incluindo o DOC. Essas substâncias orgânicas são compostas por ácidos húmicos e fúlvicos e são originadas durante o processo de decomposição de resíduos vegetais. O baixo conteúdo de íons, somado à presença das substâncias húmicas, conferem às águas negras um caráter ácido com valores de pH entre 3,0 e 5,0. A grande quantidade de substâncias húmicas e DOC (10 a 14 mgC.L-1), provenientes da decomposição de material orgânico é, em grande parte, responsável pela coloração vermelho/marrom transparente da água.
Os processos de carreamento de substâncias orgânicas para os corpos d’água não é um fenômeno restrito às águas do Rio Negro. Outros corpos d’água, marinhos e de água doce, recebem cargas diárias dessas substâncias. O DOC dos ambientes de mangue e marinhos, por exemplo, representam os principais estoques de DOC da biosfera. Uma grande proporção dessa matéria é drenada dos continentes. Nesses ambientes, assim como no Rio Negro, a biota local adaptou-se completamente às características físicas e químicas do ambiente. O problema é que alguns pesquisadores estão preocupados que mudanças no clima do mundo poderiam aumentar o transporte de DOC para os ambientes aquáticos. Dentre as mudanças, alguns autores defendem os efeitos da temperatura e as taxas de precipitação e, outros, defendem que embora existam padrões amplos na concentração de DOC em rios entre zonas climáticas, a variação está relacionada à hidrologia, bem como à produtividade biológica, e a como a produtividade é equilibrada pela decomposição. Esses autores estimam que um aumento de 10% na precipitação poderá aumentar a mobilização de DOC dos solos para as águas doces em pelo menos 30%.
Os efeitos do escurecimento das águas superficiais devido ao aumento da concentração de DOC (Browning Waters) estão relacionados à canalização mais gases de efeito estufa para a atmosfera, à elevação dos custos de produção de água potável e reduzir a produtividade da água doce por meio da limitação da penetração da luz. Além disso, já foi sugerido que nesses ambientes pode ocorrer uma estratificação térmica mais estável, promovendo anóxia e, portanto, limitando habitats oxitérmicos. Consequentemente, além dos problemas descritos acima, a ocorrência desse fenômeno em ambientes aquáticos poderia impactar a biota aquática, uma vez que a grande maioria das espécies aquáticas apresenta baixa plasticidade fisiológica para suportar variações na concertação de oxigênio dissolvido na água e no pH (algumas dessas substancias orgânicas são ácidas e podem reduzir o pH da água). Dessa forma, estudos que avaliem esses impactos precisam ser realizados, principalmente visando adaptações necessárias em plantas de água potável, os efeitos sobre as emissões de gases de efeito estufa e sobre as comunidades aquáticas.