Em um tempo em que o fantasma do apagão assombra o já pouco eficiente e bamboleante setor industrial brasileiro e, ainda que em menor grau, assusta os incautos cidadãos comuns, estamos prestes a “comemorar” mais um Dia Mundial das Água.
Justiça seja feita, o Estado Brasileiro faz sua parte para espantar esse fantasma. E faz isso como pode: rezando todos os dias – e com muita fé – para que São Pedro mande o único antídoto que pode, de fato, impedir que esse espectro da falta de planejamento provoque um colapso energético no país, a chuva.
O Brasil possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. Entre 80% e 90% da geração elétrica vem de fontes renováveis. Segundo o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil – Informe 2012, da Agência Nacional de Águas (ANA) – o País possui cerca de 1.000 empreendimentos hidrelétricos, sendo que mais de 400 deles são pequenas centrais hidrelétricas (PCH). Até 2011, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), aproximadamente 70% dos 117 mil megawatts (MW) da capacidade instalada da matriz energética brasileira eram gerados por PCH´s, usinas hidrelétricas e centrais de geração hidrelétrica. Entretanto, não adianta muito se produzir energia de forma relativamente limpa (pois há, sim, uma série de impactos advindos da geração de energia hidrelétrica), se a energia produzida é insuficiente para fazer o país crescer.
Contudo, se olharmos por um outro lado e considerarmos toda a matriz energética do Brasil (e não apenas a energia elétrica), veremos que nossa matriz energética está muito longe de ser limpa. Mais de 52% da energia que move o país vem do petróleo e seus derivados (óleo, gasolina, gás…), empurrando a energia elétrica para um modesto terceiro lugar, com apenas 13% do total, ficando atrás da energia gerada através da cana (álcool + biomassa, com 19,3%).
Se você vivia no Brasil antes de 2007, deve ter lido ou ouvido que o governo brasileiro estava investindo pesadamente em biocombustíveis e em fontes energéticas renováveis e limpas. Pelo discurso oficial, o Brasil se tornaria em uma potência energética limpa do terceiro milênio.
Mas, em 2007, Deus, por ser brasileiro, resolveu dar uma mãozinha para o país e então nos deu de presente o pré-sal, rapidamente vendido (sem trocadilhos) como a redenção de todos os problemas do país. O que se viu a partir daí foi uma verdadeira batalha política entre os estados “com pré-sal” e os estados “sem pré-sal” pelos royalties do tesouro recém descoberto.
A face menos perceptível desse fenômeno foi que, como mágica, sumiram os projetos de desenvolvimento tecnológico e de inovação para aprimoramento e popularização de fontes energéticas limpas.
Hoje, apenas em meia dúzia de estados (se tanto) ainda compensa abastecer o carro com álcool. A capacidade instalada para a geração de energia eólica no país mal chega a 1% da geração hidroelétrica e a capacidade de geração de energia solar é virtualmente zero.
Mas, voltando a São Pedro, ele deve ter recebido alguma orientação superior para fechar as torneiras, pois se agora somos um país riquíssimo em petróleo, precisamos usar essa nossa nova riqueza. Com isso, as caras e poluidoras termoelétricas (movidas principalmente a gás, mas também a carvão) precisaram ser acionadas. O resultado, um rombo bilionário nas contas das empresas distribuidoras de energia e uma conta que, mais cedo ou mais tarde, vai ser cobrada do agora riquíssimo consumidor brasileiro – sem falar, é claro, na conta ambiental, mas essa será paga pelos condôminos deste planeta chamado Terra.
O fato é que parece que todo o discurso de sustentabilidade, de geração de energia limpa, de produção de biocombustíveis, era apenas e tão somente discurso, desses com aquela robustez e credibilidade que acompanham todo e qualquer discurso eleitoral.
A realidade, porém, mostra um país sem planejamento estratégico na área de energia; reservatórios super explorados e minguando, mesmo em um cenário ainda de pré-alterações climáticas globais; usinas eólicas prontas, mas sem entrar em operação porque as linhas de transmissão simplesmente não foram construídas; subsídios insustentáveis nas nossas contas de energia e nos preços dos combustíveis, o que está estrangulando respectivamente as empresas de transmissão de energia e a também a gigante (em pleno processo de implosão) Petrobras. Nesse contexto, fica muito claro que o Brasil optou pelo caminho da poluição e da ineficiência energética.
Mesmo assim, e por incrível que pareça, ainda temos mesmo razões para comemorar o dia Mundial da Água. Em um cenário em que as imagens de pessoas sem água em suas casas, sequer para atender as suas necessidades mais básicas, ameaça se mudar do sertão nordestino para a região abastecida pelo reservatório da Cantareira, na sexta cidade mais populosa do mundo, talvez em breve não tenhamos água sequer para o brinde. Brindemos enquanto é tempo então. Tim Tim!!
Antonio Ostrensky José Roberto Borghetti
Oceanólogo Biólogo