Eucheuma spp.
A parede celular de algas vermelhas, como é o caso da Eucheuma, assim como de outras algas (como Chondrus, Kappaphycus, Hypnea, por exemplo), é rica um ficocolóide chamado de carragena (polímeros de D-galactose, caracterizados por apresentar grupos sulfatados).
As carragenas são divididas em três grupos de grande interesse comercial, cada um com propriedades e aplicações diferentes: lambda carragena (l), kappa carragena (k) e iota carragena (i). Elas são utilizadas na indústria farmacêutica, cosmética, de tintas e, principalmente, na indústria alimentícia, conferindo propriedades estabilizantes e gelificantes aos alimentos. Devido à sua particular reatividade com a proteína do leite (caseína), é utilizada em uma grande quantidade de produtos, como em sorvetes, queijos, pudins, flãns, iogurtes, gelatinas, produtos de padarias, alimentos dietéticos, temperos e molhos. Além disso, são utilizadas como encorpadores de xaropes, em pastas de dentes, preparações de drogas e loções. Na área da biotecnologia, em imobilização de sistemas, também são utilizadas. Eucheuma e Kappaphycus respondem por quase 90% da produção mundial de matéria-prima empregadas na extração de carragenas (Faccini, 2007).
Em 1960 uma empresa norte-americana de processamento de algas transferiu as suas atividades de coleta de matéria-prima para a extração de carragena da Indonésia para as Filipinas. As algas passaram a ser coletadas em recifes das ilhas de Central Visayas. Antes de completar 10 anos de atividades, os estoques locais de algas estavam completamente esgotados, mas foi exatamente a falta de produto para processamento e a necessidade de abastecimento do mercado que incentivou o início das atividades de cultivo destas espécies (FAO, 2010).
Na década de 1970 as fazendas de cultivo de macroalgas se popularizaram na Ásia e com a demanda crescente de algas secas no mercado internacional, os cultivos de Eucheuma se expandiram também para o ocidente.
O Brasil ainda não realiza cultivos de algas vermelhas em grande escala, mas há um grande mercado em potencial para este tipo de produto. No entanto, há que se ressaltar que essa ainda é uma cadeia produtiva praticamente inexplorada, cuja atividade produtiva em escala comercial enfrentará os desafios e os perigos característicos do pioneirismo.
Hypnea musciformis
No Brasil as duas espécies utilizadas como matéria prima para produção de carragena são a alga exótica Kappaphycus alvarezii e a nativa Hypnea musciformis (Paula et al., 2001; Reis et al., 2006). Entretanto, os estoques naturais de H. musciformis são limitados, apesar de ser uma espécie de ampla distribuição no litoral brasileiro (Paula et al., 2001, 2002). Além disso, embora a espécie apresente alta taxa de crescimento (Reis et al., 2003, 2005), seu cultivo é tecnicamente menos simples que o de K. alvarezii (Oliveira Filho, 2005). Segundo Paula & Pereira (1998), diversos estudos experimentais foram desenvolvidos no litoral brasileiro, particularmente com espécies de agarófitas, Gracilaria spp. e com a carragenófita Hypnea musciformis, mas os resultados obtidos não estimularam o estabelecimento de cultivos comerciais
No entanto, como o domínio das técnicas de maricultura pressupõe sempre a realização de estudos experimentais, relacionados aos aspectos ambientais e biológicos de uma determinada espécie (Santelices, 1999; Marinho-Soriano, 2005), é fundamental que o potencial de utilização das algas nativas para a maricultura seja estudado e avaliado.
Um estudo sobre o potencial do uso de algas vermelhas de interesse comercial para a maricultura foi realizado por Reis et al. (2005), na Praia do Kutuca, município de Mangaratiba, RJ. H. musciformis apresentou a maior taxa de crescimento, quando comparada com duas espécies de agarófitas testadas (Gracilaria caudata, J. Agardh e G. cervicornis (Turner) J. Agardh), tanto em cultivos in situ quanto in vitro. Segundo os autores, os resultados qualificam H. musciformis como uma espécie apta para a utilização na maricultura.
E o potencial de crescimento diário de H. musciformis é inquestionável. Tanto nos estudos de Ganesan (2006), em que as algas cresceram 11,2% ao dia, quanto nos de Faccini & Berchez (2000) e de Lima (2001), ambos realizados no Brasil, em que a taxas de crescimento diários variaram entre variaram entre 11% até valores máximos de 21%. Essas taxas são superiores às obtidas para outras algas como K. alvarezii (9,99%, Eswaran et al., 2002), Gracilaria edulis (5%, Subbaramaiah &Thomas, 1990) e Gracilaria acerosa (1,5%, Subbaramaiah & Banumathi, 1992).
Mas, para que todo esse potencial biológico possa se converter em produção, em rendimento econômico, em geração de renda e empregos, é necessário que os eventuais gargalos tecnológicos, logísticos e comerciais sejam antes resolvidos. Em outras palavras, é preciso desenvolver pesquisas, transformar essas pesquisas em tecnologias e transferir essa tecnologia aos eventuais maricultores ou investidores. A produção de algas é uma atividade ainda nova no país e pular essas etapas, principalmente quando se trabalha com pequenos produtores ou com as comunidades pesqueiras pode comprometer o grande potencial da atividade. Por isso, as algas são incluídas no rol de espécies potenciais, inclusive a nativa Hypnea musciformis.
Pterocladia capillacea
Há um outro grupo de algas de grande interesse para a indústria, são as algas agarófitas. Ágar-ágar é um termo que se refere a uma família de polissacarídeos presentes em algumas algas vermelhas, como Gelidium, Pterocladia e Gracilaria, com estrutura de D e L-galactose. O ágar é considerado o ficocolóide mais valioso por algumas de suas características, como formação de gel em baixas concentrações, baixa reatividade com outras moléculas e resistência a degradação por microorganismos, o que permite sua utilização na preparação de meios de cultura, constituindo-se na matéria prima básica na biologia molecular. A partir de frações menos iônicas do ágar obtém-se a agarose, um produto amplamente utilizado em biotecnologia, sendo alguns desses produtos podem chegar a custar US$ 25.000,00 o quilograma (Faccini, 2007).
O ágar tem sido utilizado também como agente gelificante para geléias de frutas e vegetais, em confeitarias para a preparação de doces. Um grande mercado no ocidente é para alimentos em conserva especialmente para animais domésticos. Além destas aplicações também é utilizado em emulsões líquidas no tratamento de constipação e como agente gelificante em géis lubrificantes e pomadas (Faccini, 2007).
Dentre as principais algas agarófitas nativas no Brasil, destacam-se a Pterocladia, nas regiões Sul e Sudestes e a Gracilaria, no Nordeste.
Pterocladia capillacea é uma alga vermelha, que apresenta clorofila a e d e ficobilinas (b, r e c-ficoeritina, aloficocianina e c e r-ficocianina), além de xantofilas e amido como substância de reserva (Lhullier, 2005).
Entretanto, as informações científicas, tecnológicas ou mesmo comerciais a respeito de P. capillacea são bastante escassas. A obtenção de matéria prima para fins industriais é quase que exclusivamente originada da colheita em bancos naturais. Não existe ainda uma tecnologia minimamente desenvolvida para a viabilização dos cultivos em escala comercial da espécie, razão pela qual P. capillacea é aqui apresentada apenas como potencialmente cultivável.
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Eswaran, K., Ghosh, P. K. & Mairh, O. P. 2002. Experimental field cultivation of Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty.ex.P.Silva at Mandapam region. Seaweed Res. Util. 24: 67-72.
Faccini, A. L. 2007. Importância econômica e cultivo de algas marinhas. X Simpósio de Biologia Marinha da Unisanta. 02-06 de julho de 2007. 16 p. Disponível em: http://sites.unisanta.br/simposiobiomar/2007/downloads/material/ apostila%20do%20curso%20economica%20e%20cultivo.pdf. Acessado em 11/04/2010.
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