Utilização de sonar na estimativa da população de ostras em seu ambiente natural
Gisela Geraldine Castilho-Westphall (10/05/2014)
O Sonar de Varredura Lateral (SVL) é um método indireto de aquisição de dados baseado na propagação do som na água. É um sistema ativo de sensoriamento remoto que emite e registra ondas acústicas, gerando imagens (registros sonográficos) do leito do mar, lagos, lagoas, rios, entre outros.
Para que o equipamento mapeie as regiões submersas, ele deve ser rebocado por uma embarcação próximo a superfície da coluna d’água, enquanto o sinal atinge o fundo, interage com o sedimento e retorna ao sensor. Este método é muito semelhante ao que foi utilizado há alguns anos na Escócia, para procurar o monstro do Lago Ness. Agora, ao invés de procurar um monstro, o GIA fez uso de um Sonar para estimar a população de ostras de interesse comercial em bancos naturais submersos.
Figura 1. Representação do sistema de funcionamento de um sonar de varredura lateral (SVL). Adaptado de http://gralston1.home.mindspring.com/Sidescan.html
Essa pesquisa é consequência da preocupação com os efeitos do extrativismo, sobre as populações de ostras no ambiente natural. Isto porque, diariamente, ostras nativas são extraídas em, praticamente, todo o litoral brasileiro para obtenção de formas jovens (sementes) para abastecer cultivos e/ou para a captura de indivíduos adultos para consumo.
Séculos de extração de recursos, agravados pela degradação costeira levaram os bancos de ostras à beira da extinção em muitos países, tanto é, que globalmente, estima-se que 85% dos bancos naturais estejam liquidados.
Em 2011, Beck e colaboradores publicaram os resultados de um estudo desenvolvido no período de 1995 a 2004 na região costeira do Brasil. Estes autores classificaram alguns manguezais da costa brasileira como “bons”, quando havia uma perda menor que 50% na abundância de ostras, e “razoáveis”, quando a redução ultrapassava 50%, chegando a alarmantes 89% de redução.
Acredita-se, portanto, que a exploração com objetivos comerciais de ostras no Brasil, de forma exploratória e sem o correto gerenciamento, seja determinante para o declínio dos estoques naturais.
Porém, se a construção de um plano eficiente de gerenciamento dos estoques passa pelo conhecimento e a quantificação das populações de ostras presentes no ambiente, como analisar bancos de ostras submersos? A situação é ainda pior quando os bancos ficam em águas turvas e de iluminação precária.
Entre as metodologias de prospecção disponíveis atualmente, o SVL é uma grande promessa para a descrição quantitativa de distribuição e extensão dos habitats bentônicos (submersos). Em pesquisas realizadas na Nova Zelândia, este tipo de sonar mostrou-se uma ferramenta muito útil sob vários aspectos, para a gestão dos bancos de ostras.Além disso, sua utilização permitiu mapear grandes áreas em um período relativamente curto de tempo, obtendo-se coordenadas de georreferenciamento a partir de qualquer localização na imagem, sem que a turbidez da água ou a luminosidade do ambiente influenciassem nos resultados. Porém, no Brasil, este procedimento era inédito até pouco tempo atrás.
Ao pesquisar a extensão e a quantidade de indivíduos presentes em bancos naturais de ostras de infralitoral, o GIA tornou-se pioneiro no Brasil ao realizar, com sucesso, a prospecção do ambiente com SVL.
A área utilizada para estudo foi a baía de Guaratuba (25°52’S, 48°39’W), situada ao sul do Brasil e com uma área total de 48,72 km2. Dez bancos naturais submersos foram selecionados ao acaso, georreferenciados (marcadas as coordenadas geográficas) e prospectados (mapeados pelo uso do Sonar), conforme localização indicada no mapa abaixo.
Figura 2. Bancos naturais de ostras em infralitoral, na Baía de Guaratuba. Os pontos 1 a 10 indicam os bancos prospectados com o SONAR. 1=Rio Barigui; 2=Furado do Quilombo; 3-Furado do Braço Seco; 4=Sambaqui do Braço Seco; 5=Barigui; 6=Baixio das Ostras; 7=Sambaqui das Cruzes; 8=Sambaqui das Laranjeiras (rio das Laranjeiras); 9=Miringuava; 10=Ariri.
As linhas prospectadas acompanharam o leito dos rios, paralelamente às margens e incluíram os bancos inteiros, do início até o fim. Como método confirmatório de identificação, moradores da região, que extraem ostra rotineiramente, realizaram mergulho em apneia para coletar amostras de 20 ostras/banco, para análises laboratoriais. Estas análises indicaram que, das 158 ostras analisadas, 96% eram da espécie Crassostrea brasiliana e 4% Crassostrea sp. (também denominada C. mangle)
Percorreu-se com o SVL uma área total de 98.010 m², onde foram observados conjuntos de ostras dispersos no leito dos rios de forma descontínua e com tamanho variável. Cada conjunto de ostras apresentou em média 1,5 m de extensão (mínimo 0,2 e máximo 8,0 m), totalizando 1.107 conjuntos de ostras. A extensão total ocupada pelos bancos foi de 1.633,5 m.
Figura 3. Imagem gerada pelo equipamento de SONAR. Conjunto de ostras (O), de 2,2 m de diâmetro, no leito do rio Barigui (ponto 1). A linha vertical ao centro (l) indica a coluna d’água disposta logo abaixo do sonar de varredura lateral (SVL) e a escala acima, valores em metros com campo de alcance máximo de 30 m para cada um dos lados.
A partir dos dados gerados, estimou-se que a quantidade total de ostras nos dez bancos analisados foi de 21.159,13 ostras, ou seja, 1.763,26 dúzias (1 ostra/4,5 m²).
Embora C. brasiliana seja descrita como uma espécie de grande porte, apenas um animal coletado era maior que 20 cm.Este resultado pode indicar uma diminuição da altura da população presente no infralitoral (ambiente em que as ostras permanecem submersas 100% do tempo), na baía de Guaratuba, possivelmente, como reflexo da exploração dos estoques, que pode já ter chegado ou estar chegando a tal ponto que dificulte sua recuperação natural.
Sabe-se que as populações de C. brasiliana provenientes de bancos naturais têm crescimento lento e, segundo alguns pesquisadores, 72% de uma população de mesolitoral (zona sujeita a variação de marés), demora quase 30 meses para aingir seu tamanho comercial mínimo, qe é de 50 mm.
Como a Captura por Unidade de Esforço (CPUE) para a baía de Guaratuba varia de 22,5 a 5.400 dúzias/extrator/ano e que um total de 1.763,26 dz. são estimados para os dez bancos pequisados, nota-se que a exploração exercida na região por um único extrator poderia ser maior que o total de animais quantificados neste ambiente. Além disso, a quantidade de ostras por unidade de área, verificada na baía de Guaratuba está próxima dos menores valores registrados para a espécie, em bancos de mesolitoral. No entanto, como a extração inclui bancos de mesolitoral e também ostras das três espécies existentes, há uma diluição da pressão sobre os bancos naturais de C. brasiliana, o que pode retardar, mas não evitar que a exploração desordenada impacte irreversivelmente esses bancos.
* Para maior detalhamento sobre o tema aqui apresentado, acesse:
http://cultimar.org.br/site/images/materiais/Ecologia%20da%20ostra%20do%20mangue.pdf
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