Por: Aline Horodesky
O estudo de DNA ambiental (eDNA), está baseado na detecção de moléculas de DNA produzidas como subproduto das atividades de uma determinada espécie, como aquelas encontradas em fezes, muco, saliva ou outra fonte de células mortas. Métodos de laboratório podem ser empregados para detectar e quantificar estas moléculas, levando a diversos tipos de aplicações. Uma potencial extensão da abordagem de eDNA envolve a detecção de mais de uma espécie simultaneamente.
Figura 1. Esquema mostrando a detecção de diferentes espécies a partir de uma amostra ambiental.
A primeira referência ao DNA ambiental remonta a 1987 e diz respeito a um método para extração de DNA microbiano de sedimentos. No entanto, o termo realmente surgiu no início dos anos 2000, principalmente usado pela comunidade de microbiologistas. DNA ambiental refere-se ao DNA que pode ser extraído de amostras ambientais (como solo, água ou ar), sem primeiro isolar qualquer organismo-alvo. É caracterizado por uma mistura complexa de DNA genômico de muitos organismos diferentes e por possível degradação (isto é, por moléculas de DNA que são cortadas em pequenos fragmentos). O eDNA total contém DNA celular originado de células ou organismos vivos e DNA extracelular resultante da morte celular natural e subsequente destruição da estrutura celular.
Microbiologistas têm analisado o eDNA do solo ou da água há mais de uma década, o que lhes deu acesso à genética de microrganismos não cultiváveis. Eles tinham três objetivos principais: (i) identificar táxons microbianos presentes em amostras ambientais; (ii) identificar as funções bioquímicas mais importantes por meio da análise de genes codificadores; e (iii) montar genomas inteiros de microrganismos não cultiváveis. A análise do eDNA por microbiologistas foi denominada metagenômica, que apenas se referia à montagem e análises funcionais (objetivos ii e iii) do eDNA de dados de sequências, mas não identificações baseadas na amplificação e sequenciação de genes marcadores como o 16S rDNA (objetivo i).
Contudo, a utilização do eDNA passou a se disseminar principalmente a partir de 2011, com aprimoramentos constantes significativos a cada ano. A identificação de táxons baseada em DNA foi estendida para a invertebrados da meiofauna (por exemplo, nematóides) e para microrganismos, usando uma abordagem de PCR/clonagem ou PCR/sequenciamento de segunda geração, isso já no início dos anos 2000, mas com o único objetivo de identificar os diferentes organismos que contribuíam com o DNA de uma determinada amostra.
Nos últimos anos, avanços significativos estão sendo alcançados nesta área de pesquisa. A coleta de amostras de eDNA realizadas em parques de safári, jardins zoológicos e fazendas, demonstraram que análises do DNA do solo podem ser usadas para registrar a presença de grandes mamíferos. Inventários de minhocas feitos através de métodos tradicionais consomem muito tempo e são muito complexos. Mas, uma tecnologia desenvolvida nos Alpes franceses e usando eDNA já permite que se trabalhe com comunidades de minhocas em qualquer parte do mundo.
Claramente, o surgimento de eDNA em estudos ecológicos mais amplos está hoje ligado à disponibilidade de sequenciadores de próxima geração (NGS), que permitem contornar a etapa cara e demorada de clonagem e sequenciamento de produtos de PCR usando o sequenciamento Sanger. Não há dúvidas de que, a partir de agora, as análises de eDNA serão integradas a mais e mais estudos ecológicos. O sequenciamento de DNA, outrora uma técnica cara e demorada, tem se tornado cada vez mais rápido, sensível, e capaz de produzir quantidades cada vez maiores de dados genéticos. Por exemplo, um único equipamento de alta performance de sequenciamento de DNA (Illumina HiSeq 250) possui hoje a mesma capacidade de produção de dados que possuíam conjuntamente todos os centros de pesquisa no mundo em 2006, sendo atualmente capaz de gerar 1 trilhão de bases em uma única corrida. Estes avanços têm possibilitado oportunidades sem precedentes na detecção e monitoramento de espécies em ambientes silvestres.
Uma potencial extensão da abordagem de eDNA envolve a detecção de mais de uma espécie simultaneamente. No futuro, espera-se que as abordagens baseadas em eDNA possam ser utilizadas como marcador único para análises de espécies ou de comunidades, através de pesquisas de metagenômica, de ecossistemas inteiros, possibilitando a prevenção dos padrões de biodiversidade espaciais e temporais.
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