E você, também gosta de camarão?
Por Rafael Fernández de Alaiza G. M.
Publicado em 13/03/15
A apreciação ao camarão e aos pratos elaborados a base de camarão marinho parece ser comum em quase todo o planeta. Desde os mais ricos até os mais pobres, poucos são os que se recusam a saborear esta delícia. Contudo, seu alto preço o faz uma iguaria rara na mesa de pessoas com poucos recursos. Então, há pouco camarão? Não é este o ponto. É verdade que a pesca deste crustáceo vem diminuindo globalmente, mas simultaneamente o cultivo em fazendas de camarão vem crescendo a níveis jamais sonhados. Apenas como exemplo, em 2010 a Rep. Pop. da China produziu 1,3 milhões de toneladas de camarão, sendo a maior parte dessa produção consumida no próprio país. Quanto ao Brasil, em 2004 ainda se capturou 80.000 t de camarões em pescarias marinhas. E já em fazendas de camarão foram produzidas entre 60-90.000 t por ano, principalmente na região nordeste do país, nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco (Lopes, 2008; MPA, 2010).
Todo o camarão que chega ao mercado é vendido, seja localmente ou internacionalmente, e ainda assim uma demanda não atendida permanece. Mas o que impede a produção do camarão ser maior para que os preços baixem? Na minha opinião, vários fatores conspiram contra isso. Vejamos:
1. Os custos de produção com a tecnologia atual. Camarões marinho são em sua maioria onívoros, ou seja, consomem uma grande variedade de alimentos, e por assim dizer, são como “uma galinha no quintal da casa”. Mas os ingredientes utilizados na produção da ração (pellets) que é usada para acelerar o crescimento em cativeiro, muitas vezes contêm farinha de trigo, soja ou milho, farinha ou óleo de peixe, vitaminas, minerais, etc.; matérias primas cujo preço é alto. Além do mais, utiliza-se energia elétrica para o bombeamento e aeração da água em piscinas ou reservatórios onde os camarões são confinados. Fator que também aumenta o custo do cultivo, mas que por outro lado é essencial para obtenção de altos rendimentos, permitindo dezenas de camarões em cada metro quadrado de viveiro.
2. Restrições ambientais. Depois de anos realizando cultivos com maior ou menor êxito, entre as diferentes espécies de camarões marinho que vivem na zona tropical do planeta, foi escolhida como melhor espécie para cultivo o camarão branco do Pacífico (Litopenaeus vannamei, também conhecido como camarão cinza). Oriundo da costa oeste da América, desde o Peru até o México, seu cultivo em outras regiões do mundo tem deslocado ou diminuído o cultivo de outras espécies nativas. Isso aconteceu com o famoso camarão asiático tigre gigante (Penaeus monodon), tradicionalmente cultivado na China, Índia, Vietnã, Indonésia, etc.; e também na costa atlântica da América, com o camarão branco (Litopenaeus schmitti), bem como muitas outras espécies. Autoridades ambientais regulam de alguma forma o cultivo do camarão branco do Pacífico em muitos países onde foi introduzido, exigindo medidas de controle para impedir sua fuga para o mar. Além disso, a construção de fazendas de camarão foi realizada em algumas regiões, especialmente no início, sem o devido cuidado de seu potencial de impacto ambiental, sobre manguezais, etc. Isto levou a uma rejeição da atividade por organizações e autoridades ambientais que só depois de muitos anos de trabalho com práticas mais amigas do ambiente, busca reverter.
Em resumo, esses fatores têm impedido que a produção da carcinicultura continue crescendo com preços mais baixos, forçando os produtores a produzir principalmente para um mercado de elite: exportação, restaurantes, turismo, etc.
Voltando a olhar para os camarões “crioulos”
Um aspecto que por vezes é mencionado entre os produtores é a desvantagem em trabalhar com uma única espécie. Ou seja, se aparecer uma doença que afete Litopenaeus vannamei, a espécie de camarão mais cultivada no momento, seria bom ter cultivo simultâneo com outras espécies de camarão, quem sabe com alguma espécie com maior resistência ao ataque de patógenos específicos? Espécies nativas de camarão têm outra vantagem, não menos importante, podem ser cultivadas em gaiolas marinhas ou vendidas como isca viva para a pesca, ou pós-larvas produzidas em grandes quantidades para repovoar lagoas onde a espécie já tenha diminuído muito; tudo sem representar risco significativo de perturbação para o ambiente, uma vez que já estão lá. É por isso que há anos alguns pesquisadores têm tentado resgatar o cultivo de espécies nativas de camarão. No estado do Ceará, por exemplo, experimentos foram conduzidos para comparar o crescimento e a conversão alimentar do camarão Farfantepenaeus subtilis com o L. vannamei em viveiros intensivos de engorda (Maia e Nunes, 2003).
Figuras 1 e 2 – O camarão cinza do Pacífico L. vannamei é praticamente a única espécie de camarão marinho que se cultiva na franja tropical de América. Laboratório de produção de pós-larvas em Cienfuegos, Cuba; e espécimes na despesca no Brasil (fotos R. F. Alaiza).
No caso do Litopenaeus schmitti acima mencionado (camarão-branco, camarão barba-roxa, camarão verdadeiro ou legítimo), populações naturais estão distribuídas a partir de Belize até o sul do Brasil e nas ilhas do Caribe, a partir de Cuba até as Ilhas Virgens Americanas, próximo de Porto Rico. Associados a fundo com substrato macio, lamacento, típicos de manguezais e estuários, esta espécie chegou a ser capturada em quase 2.400 toneladas por ano na área acima citada, entre os anos de 1986 e 2005, conforme relatado pela FAO (2013). Na última década suas pescarias tem se reduzido a valores mínimos.
Figuras 3 e 4 – Distribuição geográfica do camarão branco Litopenaeus schmitti e capturas relatadas da pesca da espécie na região (FAO, 2013).
No entanto, existem formas mais sustentáveis e mais amigáveis ao meio ambiente para usufruirmos deste recurso pesqueiro. Por exemplo, podemos citar o cultivo extensivo de camarão branco (L. schmitti) e camarão marrom (Farfantepenaeus subtilis) realizado por agricultores da República Cooperativa da Guiana (antiga Guiana Inglesa), a partir de pós-larvas selvagens, aproveitando a notável diferença da maré, típica desta região da costa atlântica.
Não menos interessante é o caso da República Bolivariana da Venezuela, onde o governo desenvolveu um laboratório apenas para o trabalho com o camarão branco (L. schmitti), com uma capacidade de 10 milhões de pós-larvas de camarão/mês, com o objetivo de “repovoar as lagoas costeiras do leste do país, aumentar a produção de camarão, além de contribuir para melhora socioeconômica das populações próximas as lagoas” (INSOPESCA, 2013). Para a concepção e implementação do projeto do laboratório foram contratados técnicos cubanos, tendo em vista que a ilha Caribenha cultivou em escala comercial esta espécie de camarão entre 1983-2003, atingindo mais de 3.000 t despescadas anualmente.
Além disso, em relação à pesca do camarão branco, devemos esclarecer que a redução dos desembarques de frotas de camarão não significa que este tenha deixado de ser pescado. Mesmo que a frota industrial deixe de pescar esta espécie, a pesca artesanal continua atuando ao longo dos mais de 6000 km por onde a espécie é naturalmente distribuída, quer seja sob o controle das autoridades ou furtivamente (Andrade et al., 2006).
Os esforços atuais no litoral do Paraná, Brasil
No litoral do Paraná e, em geral, no litoral sul do Brasil, este recurso é de grande importância para muitas famílias de pescadores. O camarão branco (L. schmitti), junto com seu parente de menor comprimento “sete barbas” (Xiphopenaeus kroyeri), são alvos da pesca artesanal durante todo o ano, desde canoas de fibra de vidro com motor a diesel, com redes de “caseio” ou arraste. O governo mantém o controle da pesca através de uma proibição, que impede a pesca de motor entre os meses de março e maio (Franco et al., 2009). A pesca do camarão de arrasto é autorizada apenas a mais de uma milha da costa, e é um dos principais produtos de pesca comercializados em pequenas bancas na praia. Os juvenis e pré-adultos, também capturados, são vendidos como isca-viva para pesca esportiva e o turismo náutico.
Figuras 5 e 6 – A pesca de camarões com redes de arrasto, além de pouco eficiente, afeta outros peixes e invertebrados marinhos (fotos R. F. Alaiza).
Dada a importância do camarão branco (L. schmitti) para o equilíbrio do ecossistema marinho e sua relevância econômica para a região, desde 2003 foi apresentado um projeto ao governo do estado do Paraná com o objetivo de construir um laboratório para a produção de pós-larvas da espécie com o objetivo de repovoar o litoral do Paraná (Silva, 2006). No entanto dificuldades na obtenção de local para instalação (doado pela Prefeitura de Pontal do Paraná) e a própria construção e conclusão do laboratório atrasaram seu funcionamento, iniciado praticamente entre 2013-2014.
Para a concepção deste plano levou-se em conta o sucesso do Grupo Integrado de Aquicultura e Estudos Ambientais (GIA-UFPR), em pesquisas e desenvolvimento de pacotes de tecnologia para a produção artificial de larvas de diversas espécies aquáticas com fins de repovoamento. Um exemplo notável foi obtido pela primeira vez com larvas e juvenis do caranguejo-uçá Ucides cordatus, que permitiu a liberação de milhares de animais desta espécie em 2003-2006 (Silva, 2006), com o objetivo de mitigar os efeitos adversos causados por um derramamento de óleo em 2002, no estado do Rio de Janeiro. Também alevinos e juvenis de robalo “peva” (Centropomus paralellus), produzidos no laboratório do GIA em Curitiba, foram liberados nas baías de Guaratuba e Antonina em 2004 (Ostrensky, 2006).
Atualmente no Laboratório CAMAR (Centro de Aquicultura Marinha e Repovoamento, GIA-UFPR), além de trabalho com o camarão, vem sendo feitas experiências com siris (principalmente Callinectes ornatus, C. sapidus, C. danae e Arenaeus cribarius), e ostras (Crassostrea rhizophorae, C. gasar e Crassostrea sp.). Para estes estudos, têm-se o apoio de projetos e bolsas de estudo de pós-graduação, promovidos por instituições governamentais, como PETROBRAS, CNPq e outras.
Figuras 7 e 8 – Tanques na área de reprodução de camarão no CAMAR, e mudas (ecdises) das fêmeas (fotos R. F. Alaiza).
No caso do camarão, estão sendo capturadas matrizes (machos e fêmeas) na área costeira do PR, entre os balneários de Praia de Leste e Shangri-lá, com auxílio de pescadores locais. Uma vez no laboratório, os camarões são mantidos em tanques de maturação, sob condição controlada de luz, foto-período, etc. O consumo dos alimentos fornecidos e as frequentes ecdises (mudas) são um reflexo da adaptação dos animais ao novo ambiente, essencial antes de induzir a reprodução artificial para obtenção de ovos e larvas. Em paralelo, também estamos fazendo uma comparação das populações naturais de camarão branco distantes entre si, utilizando metodologia de medição morfológica e genética. Esta informação será útil para compreensão da evolução biogeográfica da espécie, bem com para identificar futuros melhores reprodutores.
Fig. 9 – Captura de camarões em Shangri-lá, litoral do Paraná (foto D. Hungria).
Embora ainda falte um longo caminho de esforços para obtenção dos objetivos propostos, prosseguiremos com grande esforço para um dia contribuirmos com o repovoamento, com larvas de camarão branco em extensas áreas costeiras atualmente quase desabitadas por eles. Nossos aliados, pescadores artesanais, lembram-nos continuamente, dizendo a nós, como naquela entrevista: “A pesca está acabando… e botar caranguejo, camarão e peixes na baía (em Guaratuba), isso seria uma coisa boa!” (GIA, 2006).
Fig. 10 – Viveiros de camarão na Fazenda Borges, baía de Paranaguá. Esta instalação oferece facilidades para a realização de pesquisas, tais como acompanhamento comportamento das variáveis físico-químicas no água, e a diversificação no cultivo com espécies nativas (foto R. F. Alaiza).
Literatura consultada
Andrade, G., Salas, S., Seijo, J.C. (2006) Interacciones entre las flotas artesanal e industrial del camarón blanco en el occidente de Venezuela. pp. 122-131. En S. Salas, M.A. Cabrera, J. Ramos, D. Flores y J. Sánchez. (eds.). Memorias Primera Conferencia de Pesquerías Costeras en América Latina y el Caribe. Evaluando, Manejando y Balanceando Acciones. Mérida, Yucatán, 4-8 octubre, 2004.
FAO (2013) FAO Catalogue Vol. 1- Shrimps and Prawns of the World. An Annotated Catalogue of Species of Interest to Fisheries. L. B. Holthuis 1980. FAO Fisheries Synopsis No. 125, Volume 1. http://www.fao.org/fishery/species/3403/en.
Franco, A.C.N.P., R. Schwarz Jr. e N. Pierri (2009) Levantamento, sistematização e análise da legislação aplicada ao defeso da pesca de camarões para as regiões sudeste e sul do Brasil. B. Inst. Pesca, São Paulo, 35(4): 687 – 699, 2009.
GIA (2006). Um retrato em branco e preto do pescador artesanal do litoral paranaense. Revista do GIA. Edição 01 Ano 01-No. 3. Novembro 2006. 6-7 pp.
INSOPESCA (2013) Asistencia Técnica para la construcción y operaciones del Laboratorio de camarón Litopenaeus schmitti y diseño del Centro y formulación del Programa de Mejoramiento Genético del camarón en el oriente del país. Proyectos de Acuicultura. INSOPESCA, Venezuela. Código INPA 074. http://www.insopesca.gob.ve/?page_id=646.
Lopes, P. F. M. (2008) Extracted and farmed shrimp fisheries in Brazil: economic, environmental and social consequences of exploitation. Environ. Dev. Sustain. DOI 10.1007/s10668-008-9148-1. Springer Science + Business Media B.V. 2008.
Maia, E. de P. e A. J. P. Nunes (2003) Cultivo de Farfantepenaeus subtilis. Resultados das performances de engorda intensiva. Panorama da AQÜICULTURA. Setembro/outubro 2003. 36-41 pp.
MPA (2010) Produção pesqueira e aquícola: estadística 2008 e 2009, Brasília (DF), Ministério da Pesca e Aquicultura, 2010.
Ostrensky, A.N. (2006). Repovoamento de robalos. Revista do GIA. Edição 01-Ano 01-No. 3. Novembro 2006. 12-14 pp.
Silva, U. T. da (2006). Ele só anda para frente. Revista do GIA. Edição 01-Ano 01-No. 3. Novembro 2006. 28-31 pp.
Silva, U. T. da (2006). Um sonho prestes a se tomar realidade. Revista do GIA. Edição 01-Ano 01-No. 3. Novembro 2006. 48-52 pp.
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