Por Camila Prestes dos Santos Tavares
Publicado em 04 de maio de 2017
O siri-mole é obtido a partir da produção em cativeiro, baseada fundamentalmente na captura de siris em estágio de pré-muda (peelers) no ambiente natural, que depois são transferidos para sistemas de produção, onde são mantidos até realizarem a muda.
A produção de siri-mole é uma atividade aquícola utilizada para agregar valor ao siri em todos os locais em que os siris são pescados, nos Estados Unidos um siri-mole pode ser vendido por até sete vezes o preço que é pago por siris duros, o que torna a atividade um componente efetivo da indústria de frutos-do-mar.
Embora a produção de siri-mole seja lucrativa, grandes perdas financeiras também são comuns devido à alta mortalidade dos peelers durante o período de cativeiro. Assim, o valor da indústria de siri-mole é diretamente dependente da taxa de mortalidade dos peelers.
De acordo com Chaves e Eggleston (2003) em sistemas de cultivo de siri-mole, os siris geralmente sofrem taxas de mortalidade de 25% ou mais, essa taxa tem sido atribuída à má qualidade da água (Lakshmi, 1984; Hochheimer, 1988), ao estresse de coleta e transporte (Chaves e Eggleston, 2003) e a doenças e parasitas (Kennedy e Cronin, 2007). Entretanto, mais recentemente foi descoberto um vírus específico de siri que foi fortemente associado com a maioria dos eventos de mortalidade de siris em sistemas de cultivo (Bowers et al., 2011; Chung et al., 2015).
Este vírus, originalmente foi descoberto por microscopia eletrônica e chamado reo-like vírus (também chamado de RLV ou CsRV), pertence a família Reoviridae, possui uma forma icosaédrica associada a uma cápside de dupla camada, se replica no citoplasma das células infectadas, mede entre 60 e 80 nm de diâmetro e contêm um genoma que consiste em 10 a 13 segmentos de dsRNA (Tang et al., 2011). O vírus infecta os hemócitos, os tecidos hemopoiéticos e conjuntivos e causa patologia de tecidos em associação com a infiltração de hemócitos (Figura 1) e podem também ocasionar necroses (Figura 2).
Figura 1. Histologia de tecidos de Callinectes sapidus infectados pelo vírus reo-like. A) Muitas células têm volume citoplasmático aumentado (seta amarela) indicativo de inclusões de vírus em comparação com o volume citoplasmático mais normal (seta azul). Barra de escala = 10 μm. B) Microscopia eletrônica de hemócito cheio de viriões e material filamentoso (FONTE: Bowers et al. (2010)).
Figura 2. Histologia de tecidos de Scylla serrata infectados com vírus reo-like. A) Necrose de brânquia. As setas mostram inclusões virais (bar = 50 μm). B) Necrose do estômago (bar = 50 μm). C) Necrose do tecido conjuntivo de hepatopâncreas (bar = 50 μm). D) Tecido hepatopancrear de um siri saudável (bar = 50μm) (FONTE: Chen et al. (2011)).
O RLV foi encontrado em mais de 50% dos siris Callinectes sapidus provenientes de sistemas de produção de siri-mole e também estava presente em pelo menos 5% das populações selvagens amostrados nas proximidades de Maryland e na costa do Golfo da Flórida, nos Estados Unidos. Em infecções laboratoriais de juvenis de C. sapidus, este vírus resultou em 100% de mortalidade entre uma a três semanas após a injeção do vírus.
O mesmo vírus também foi registrado em sistemas de cultivo do siri-da-lama Scylla serrata na China, reo-like vírus atingiu graves níveis de epidemia e causou taxas de mortalidade superior a 90% (Chen et al., 2011)
Pesquisas mais recentes revelaram que o vírus está presente em uma média de 20% dos siris desde Massachusetts até o Brasil (Flowers et al., 2016), e que o RLV é mais patogênico em temperaturas elevadas. Em um estudo controlado usando siris Callinectes sapidus de idade e condição idênticas, infecções experimentais mataram os siris mais em temperaturas de 29°C do que em 22° C (Chung et al., 2015). Isso sugere que quando os siris com infecções naturalmente adquiridas são mantidos em sistemas de produção de siri-mole sob temperaturas elevadas morrem mais rapidamente do que aqueles mantidos em água mais fria.
A mortalidade de peelers causa uma perda de tempo e dinheiro investidos na produção. Se calcularmos que nos últimos 10 anos a pesca de peelers nos Estados Unidos gerou um valor médio anual de US$ 12 milhões (dados NOAA, NMFS), e a metade da mortalidade nos sistemas de cultivo está associada ao vírus reo-like, a perda anual será de US$ 6 milhões.
A descoberta de um vírus que causa mortalidade em peelers e siris-moles quando cultivados em temperatura acima de 29 °C reforça a necessidade de se controlar as variáveis de qualidade da água, principalmente a temperatura. O uso de sistemas de recirculação no cultivo de siri-mole, devido ao maior controle das variáveis ambientais que esse sistema oferece, é a principal forma para minimizar as taxas de mortalidade (Gaudé e Anderson, 2011).
BIBLIOGRAFIA CITADA
BOWERS, H. A. et al. A reo-like virus associated with mortalities of blue crab Callinectes sapidus: development of tools to improve soft-shell crab aquaculture. Journal of Shellfish Research, v. 30, n. 2, p. 487, 2011. ISSN 0730-8000.
BOWERS, H. A. et al. Physicochemical properties of double-stranded RNA used to discover a reo-like virus from blue crab Callinectes sapidus. Diseases of aquatic organisms, v. 93, n. 1, p. 17-29, 2010. ISSN 0177-5103.
CHAVES, J. C.; EGGLESTON, D. B. Blue crab mortality in the North Carolina soft-shell industry: Biological and operational effects. Journal of Shellfish Research, v. 22, p. 241-250, 2003. ISSN 0730-8000.
CHEN, J. G. et al. A Reo-like virus associated with high mortality rates in cultured mud crab, Scylla serrata, in East China. Diseases in Asian Aquaculture VII, p. 111-118, 2011.
CHUNG, J. S. et al. Elevated water temperature increases the levels of reo-like virus and selected innate immunity genes in hemocytes and hepatopancreas of adult female blue crab, Callinectes sapidus. Fish Shellfish Immunol. Fish and Shellfish Immunology, v. 47, n. 1, p. 511-520, 2015. ISSN 1050-4648.
FLOWERS, E. M. et al. PCR‐based prevalence of a fatal reovirus of the blue crab, Callinectes sapidus (Rathbun) along the northern Atlantic coast of the USA. Journal of Fish Diseases, Hoboken, v. 39, n. 6, p. 705-714, 2016. ISSN 0140-7775 1365-2761. Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5324600/ >.
GAUDÉ, A.; ANDERSON, J. A. Soft shell crab shedding systems. SRAC Publication, Stoneville, Miss, v. 4306, p. 6, October 2011 2011.
HOCHHEIMER, J. Water Quality in Soft Crab Shedding. University of Maryland, Sea Grant Extension Program, 1988. 6.
KENNEDY, V. S.; CRONIN, L. E. The Blue Crab: Callinectes Sapidus. Maryland Sea Grant College University of Mary, 2007.
LAKSHMI, G. J. The Effect of ammonia accumulation on blue crab shedding success : final report, March, 1983 through December, 1983. Ocean Springs, Miss.: Gulf Coast Research Laboratory, 1984.
TANG, K. F. J. et al. Histopathological characterization and in situ detection of Callinectes sapidus reovirus. YJIPA Journal of Invertebrate Pathology, v. 108, n. 3, p. 226-228, 2011. ISSN 0022-2011.