APRESENTAÇÂO
Ganhar dinheiro produzindo camarões marinhos é uma ideia que seduz muita gente. Camarão é um produto considerado “de luxo, de alto valor de mercado, demandado por pessoas de alto poder aquisitivo” e, por isso mesmo, não raramente, desperta entre potenciais investidores a imagem de que é a atividade é uma “mina de dinheiro”, um investimento de retorno líquido e certo, de alta taxa de remuneração e baixos riscos.
A realidade com a qual se deparam os produtores, entretanto, é bem diferente. O cultivo de cama- rões marinhos, atividade chamada de carcinicultura (carcini – do grego karkínos = “caranguejo”, “crustáceo”; cultura – do latim culturae = “ação de tratar”, “cultivar”) pode, de fato ser lucrativa e compensadora, mas está muito longe desse lucro ser fácil ou mesmo garantido.
Neste livro, dividido em dois volumes e que trata de um conceito relativamente novo tanto no Brasil quanto no mundo, uma nova forma de encarar as atividades agropecuárias: a “Produção Integrada”, os autores tentam demonstrar o quanto a atividade é complexa e o quanto o conhe- cimento técnico pode fazer a diferença entre margens de lucro realmente atrativas e retumbantes fracassos financeiros.
Para entender a proposta e os princípios defendidos no livro, alguns conceitos precisam ser bem entendidos. Em primeiro lugar, não se deve confundir “Produção Integrada na Carcinicultura” com a “Integração na Carcinicultura”. O modelo de integração, amplamente praticado na avicultura e na suinocultura, por exemplo, consiste em uma relação comercial entre o integrado (produtor rural) e o integrador (grande empresa do setor). O integrado recebe assistência técnica, assesso- ramento de veterinários e insumos. Tem acesso facilitado a linhas de crédito e garantia de escoa- mento da produção. Ele, por sua vez, fica responsável por produzir os animais, de acordo com as melhores práticas de produção e com as normas de bem-estar animal, biossegurança e sanidade. Já o integrador se responsabiliza por disponibilizar insumos essenciais à produção (como as for- mas jovens do animal a ser produzido e a ração), por abater, processar, distribuir e comercializar a produção. Entretanto, tal modelo produtivo ainda não é praticado na carcinicultura brasileira.
Também não se deve confundir “Produção Integrada” com “consorciamento de culturas”, modelo de produção caracterizado pela maximização de espaço, mediante a produção simultânea, em um mesmo local, de duas ou mais espécies (animais ou vegetais). Os organismos cultivados, neste caso, compartilham dos mesmos recursos ambientais durante grande parte de seus ciclos de vida, fato que leva a uma forte interação entre as espécies consorciadas e entre elas e o ambiente.
O “Consorciamento” até pode ser empregado como uma ferramenta na “Produção Integrada”, mas a “Produção Integrada” o modelo vai muito além. Esse modelo de produção propõe funda- mentalmente a otimização e o uso o mais racional e eficientemente possível de todo e qualquer recurso que venha a ser empregado durante o processo produtivo. Isso envolve o capital natural, constituído pelos recursos naturais existentes na região onde o empreendimento for instalado; o capital físico, gerado pelo ser humano e que inclui diversas formas de capital como infraestrutura, bens de capital, financeiro, comercial, etc.; o capital humano, determinado pelo grau de nutrição, saúde, educação, lazer dos trabalhadores envolvidos no empreendimento; e o capital social, que representa o grau de confiança existente entre atores de uma sociedade, ou seja, as atitudes positivas em matéria de comportamento cívico que contribuem com o bem-estar geral1. Todas essas dimensões devem necessariamente interagir na “Produção Integrada”.
No Brasil, a Produção Integrada é gerenciada através do chamado “Sistema de Pro- dução Integrada Agropecuária da Cadeia Agrícola”, coordenado pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA). Essa gestão tem seu foco na ade- quação dos processos produtivos para a obtenção de produtos de qualidade, em conformidade com o que estabelece a legislação sanitária, mediante a aplicação de boas práticas pecuárias, favorecendo o uso de recursos naturais e a substituição de insumos poluentes, garantindo a sustentabilidade e a rastreabilidade da produção agrícola na etapa primária da cadeia produtiva. Para ser reconhecido oficialmente como “produtor integrado” é necessário que o interessado obtenha uma certificação através do selo oficial “Brasil Certificado”.
De acordo com o MAPA, a Produção Integrada tem como estrutura básica as Boas Práticas Agrícolas – BPA, previstas nas Normas Técnicas Específicas – NTE e em documentos auxiliares, como manuais, grades de agrotóxicos, cadernos de campo e de beneficiamento que promovem o atendimento e o respaldo aos marcos regula- tórios oficiais do País. Tais procedimentos visam oferecer garantias de eficácia na adoção das BPA, com ganhos de sustentabilidade, da conservação ambiental, de governança da produtividade, da competitividade e dos riscos quanto à segurança do agricultor, dos trabalhadores, e especialmente à saúde do consumidor.
A PI preconiza basicamente mecanismos que garantam a documentação, a forma- lização e a credibilidade do sistema de acreditação e da certificação. Ela reúne tec- nologias de produção, de gestão e de organização do sistema produtivo sustentável e comercialmente competitivo. Preconiza mecanismos que garantam a participação social na concepção, na normatização e na gestão do sistema de produção, de forma a garantir ao consumidor o pleno exercício de seus direitos.