Medidas de mitigação dos impactos ambientais causados pela atividade extrativista de peixes ornamentais marinhos
Ana Silvia Pedrazzani (18/06/2004)
A explotação de peixes ornamentais marinhos, necessária para suprir a demanda de mercado do aquarismo, é uma das causadoras do declínio da existência dos recifes de corais [1]. Os impactos ambientais e biológicos em potencial da atividade incluem a sobrepesca dos organismos aquáticos, as alterações ecológicas caudadas no recife devido as práticas de coleta e o uso de substâncias nocivas ao ambiente [2]. Desde o momento da coleta até a chegada ao aquário do consumidor final, mais de 80% dos animais vão a óbito [3].
Para que ocorram mudanças relacionadas a este cenário é preciso que seja feito um controle dos estoques naturais das espécies-alvo de explotação. Em vários locais onde se pratica a coleta de peixes ornamentais, há um limite do número de animais de cada espécie a ser explorada. O governo das Bahamas tem um limite de 50 indivíduos por coleta para espécies permitidas [4]. Nas Maldivas havia em 1989 uma cota de captura de 100.000 indivíduos anualmente, que foi sendo reajustada ao longo dos anos conforme a demanda [4]. Os Estados Unidos possuem regulamentações detalhadas acerca da explotação de peixes ornamentais. O manual Regras da Vida Marinha (Marine Life Rule) lista as espécies restritas e estipula os tamanhos apropriados para coleta [5], sendo permitidas 49 espécies no estado da Flórida. No Brasil, são permitidas pela legislação cerca de 140 espécies, e são listadas pelo IBAMA também as ameaçadas de extinção e espécies não permitidas no mercado ornamental, que somam 15 espécies [6].
Porém, a existência de cotas não significa necessariamente que os recursos naturais estão sendo conservados de maneira adequada. Na maioria dos casos, não há estudos sobre as populações locais das espécies [4]. Por exemplo, o IBAMA permitia até 2004 que cada empresa exportasse anualmente 5.000 exemplares por espécie sem que qualquer pesquisa sobre a capacidade de suporte de coleta tenha sido realizada [7]. Tal prática provavelmente foi ineficaz para conservação dos estoques naturais, fato este comprovado pela incorporação pelo IBAMA em 2004 das espécies Gramma brasiliensis e Elacatinus figaro na lista de ameaçadas de extinção e proibidas de comercialização, espécies estas amplamente capturadas até então [8].
Portanto, o único modo de avaliar realmente a atividade de explotação em termos quantitativos seria através do somatório de número de peixes exportados, das vendas internas e da mortalidade ocorrida entre a pesca e a exportação. Infelizmente, geralmente um ou mais destes dados não estão disponíveis [5]. Poucos trabalhos de monitoramento de pesca e exportação têm sidos realizados de forma isolada em alguns estados do país [9-11]. Inclusive não se tem informações precisas dos coletores, que na sua maioria trabalham ilegalmente.
No Brasil, não existem também bancos de dados informatizados de transporte e venda interestadual, de procedência dos animais, ficando o acompanhamento da atividade somente na instância burocrática. Dentre os fatores responsáveis pela ausência destes dados destacam-se a escassez de recursos para as pesquisas básicas, a falta de confiança nos dados fornecidos por alguns empresários, a insuficiência de fiscalização e o despreparo de alguns fiscais, além das constantes mudanças de instituições federais e regionais responsáveis pelo controle dos processos de comercialização [12].
Os formulários de controle de exportação de peixes marinhos do IBAMA, preenchidos pelos comerciantes, geralmente contêm erros relacionados às espécies e os números de exportação são subestimados para redução de custos e ou para burlar o sistema de cotas estabelecido. De acordo com Monteiro-Neto [13] a identificação errônea de espécies em guias de exportação do IBAMA era fato frequente. Os cavalos-marinhos Hipppocampus reidi ou H. erectus, eram identificados como Hippocampus kuda [13]. Este problema de erro de identificação foi minimizado com a implantação da Instrução Normativa IBAMA n° 56 de outubro de 2004, que listava as espécies de peixes marinhos e estuarinos nativos permitidos à comercialização para fins ornamentais, e fornecia um guia ilustrado de identificação dos animais.
A Austrália, as Ilhas Cook e os Estados Unidos são exemplos de poucos locais que mantêm registros eficazes de suas coletas. No Hawaii, o monitoramento de 23 pontos de coleta ao longo de 230 km de costa litorânea, demonstrou que oito das dez espécies mais coletadas na região estavam significativamente reduzidas em abundância quando comparadas com áreas de controle. As percentagens de declínio encontradas foram de 57% em cirurgião Acanthurus achilles e 38% em peixe borboleta Chaetodon multicinctus [14]. Do contrário, há grande dificuldade de monitoramento nas Filipinas, por exemplo, onde são cerca de 2500 coletores, 45 exportadoras e 6 milhões de peixes exportados anualmente [15]. O Brasil, por sua vez, possui extensa costa litorânea, totalizando cerca de 8.000 km, sendo este, segundo o IBAMA, o grande empecilho para o acompanhamento efetivo da coleta [16].
Entrevistas com coletores e distribuidores no Sri Lanka indicaram uma tendência de declínio na abundância de peixes marinhos ornamentais, relacionado com grande aumento no esforço de captura. Houve também uma diminuição de 1996-1999 no volume de exportação e, simultaneamente, uma demanda consistente para espécies ornamentais [17]. A maioria dos entrevistados considerou o branqueamento dos corais (figura 1) a principal causa para o declínio nas capturas. Outros motivos apontados foram o aumento do número de coletores, o uso de métodos destrutivos para a coleta, e a contaminação da água por resíduos [17].
Figura 1. 2014. Exemplo de branqueamento de corais. Fonte: Marine Science Today, 2014. Imagem: David Burdick, NOAA.
Os governos dos países exportadores devem reformar suas políticas, promover campanhas públicas e controlar a importação e o uso de cianeto[3]. A pressão exercida pelo mercado do aquarismo sobre os recifes de corais pode ser aliviada pela educação do consumidor e através de métodos de certificação. Um modelo a ser seguido refere-se ás medidas adotadas pelo Conselho de Aquarismo Marinho (Marine Aquarium Council – MAC). O MAC é uma organização internacional não-governamental, sem fins lucrativos, que lançou em 2001 um sistema de certificação internacional com o objetivo de proteger os recifes de coral e assegurar responsabilidade e sustentabilidade ao comércio de marinhos ornamentais. O MAC criou normas fundamentais, que abrangem a cadeia de fornecimento de animais de recife para varejo, em conformidade com a Organização Mundial do Comércio (OMC), envolvendo todos os interessados no comércio marítimo ornamental [15]. Dentre suas diretrizes estão o incentivo ao pagamento justo por animais de qualidade e coletados através de práticas não destrutivas, estimulando os integrantes da cadeia a adotarem as normas, pois isso reflete no aumento de sua renda. Somente um programa de treinamento e conscientização sobre sustentabilidade, e métodos de coleta ambientalmente corretos não garantiriam a conversão do uso de cianeto para métodos não destrutivos por parte dos coletores.
Além do incentivo sócio econômico, há urgente necessidade de desenvolvimento de pesquisas com o objetivo de proporcionar alternativas de fornecimento para o mercado do aquarismo, tornando-o uma atividade ecologicamente correta. O CORDIO (Coastal Oceans Research and Developmen in the Indian Ocean) é um programa colaborativo entre pesquisadores de 11 países localizados no Oceano Índico, criado em 1999 para avaliar a degradação dos recifes de coral da região. Gradualmente, grande parte da pesquisa está se concentrando em atenuação dos danos ao ambiente e em alternativas de sustento para pessoas dependentes de recifes degradados [18].
A aquicultura é comumente considerada uma alternativa em potencial para a conservação ambiental, pois a produção em cativeiro das espécies mais fortemente exploradas, certamente alivia a pressão de pesca exercida nos recifes de coral [4, 19]. A atividade possui também vantagens econômicas, pois os peixes produzidos em cativeiro possuem maior facilidade de adaptação ao aquário quando comparados aos animais coletados na natureza, apresentam menor agressividade e maior facilidade de adaptação à alimentação inerte, e por consequência, são mais resistentes às doenças [1]. Esta abordagem pode não só gerar uma fonte alternativa de produção de espécimes marinhos, mas também permitir aos pesquisadores a coleta de informações valiosas sobre a biologia reprodutiva das espécies, visando a melhor gestão dos estoques naturais.
Mundialmente são criadas em cativeiro cerca de 35 espécies de peixes ornamentais marinhos [20]. Entre elas destacam-se algumas espécies dos gêneros Amphiprion sp., Gobiosoma sp., Pseudochromis sp., Elacatinus sp., Hippocampus sp. além do cardinal bangai Pterapogon kauderni. No entanto, diversas pesquisas estão sendo desenvolvidas para obtenção de tecnologia de cultivo de pelo menos outras 12 espécies [21]. Existem poucos criatórios de peixes marinhos no Brasil e a maioria trabalha com o cultivo de espécies exóticas, como o popular peixe-palhaço Amphiprion ocellaris (figura 2).
Figura 2. Peixes-palhaços Amphiprion ocellaris cultivados em cativeiro. Imagem: GIA
REFERÊNCIAS
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