Por Ana Paula Silva Bertão
O pirarucu é uma das espécies mais importantes da bacia amazônica. Esta espécie encontra-se ameaçada em algumas regiões da bacia, devido à superexploração de estoques naturais combinada com a falta de conhecimento de sua biologia básica (Castello e Stewart, 2010; Torati et al., 2019). A espécie pode atingir tamanhos de até 3 m de comprimento e 200 kg de peso (Queiroz, 2000) (Figura 1). Este peixe é caracterizado por possuir maturidade sexual tardia, pequenas garras e alto investimento dos pais pela prole (Castello et al., 2011).
A reprodução de Arapaima gigas em ambientes naturais começa com a estação das chuvas, geralmente de dezembro a maio (Núñez J et al., 2011). Com o início das inundações, os adultos constroem ninhos para acasalar em lagoas temporárias (Núñez J et al., 2011). Antes da reprodução, perseguições e brigas indicam territorialismo, e a desova é seguida por fertilização externa no ninho (Osmar Fontenele, 1948). Após a desova, o macho e a fêmea iniciam um comportamento de guarda do ninho: enquanto um dos pais está respirando superficialmente, o outro está sempre protegendo a ninhada. Nove dias após a desova, os ovos eclodem e as larvas começam a respirar (Torati et al., 2019). O macho fornece cuidados intensivos, que podem ser de até 3 meses, guiando os filhotes acima de sua cabeça escura em áreas ricas em zooplâncton para alimentação (Osmar Fontenele, 1948). Acredita-se que o escurecimento masculino forneça camuflagem para os filhotes contra predadores (Castello, 2008). A participação da fêmea no cuidado parental nesta fase parece menos relevante devido à cor corporal inalterada da fêmea (Fontenele, 1952). No entanto, a fêmea nada em torno do macho e da prole a distâncias maiores (> 2m) por algum período após a fase de guarda dos ninhos (Farias et al., 2015). Esse comportamento ainda é pouco compreendido, mas pode envolver inspeção territorial visando evitar o predador ou localizar áreas ricas em alimentos (Fontenele, 1952). O maior predador dos filhotes são as aves, e quando o pirarucu está realizando cuidado parental, a cabeça do pai fica mais escura, camuflando sua cria (Torati et al., 2019) (Figura 2).
No estudo de Torati et al. (2019) foi analisado a composição de proteínas encontradas na secreção do macho de A. Gigas. Estas proteínas estão relacionadas ao processo antibacterianos e no sistema imunológico, além de outras proteínas de defesa. Das 28 proteínas secretadas detectadas, 12 têm funções imunológicas descritas na subclasse dos teleróstatos, algumas das quais relacionadas ao cuidado dos pais.
Proteger o A. gigas é essencial para garantir o futuro desta espécie, assim como manter o estoque pesqueiro que alimenta diversas famílias que dependem da pesca artesanal para sobreviver. O projeto executado na reserva de Mamirauá no Amazonas atua no manejo, conservação e recuperação dos estoques por meio do estabelecimento de cotas de extração, com respeito ao tamanho mínimo de captura e da interrupção da atividade durante o período reprodutivo. Este projeto é aliado a comunidades de pescadores artesanais locais, que atuam no conjunto de procedimentos, princípios e diretrizes para um manejo sustentável e na conservação do pirarucu da Amazônia.
Referências
CASTELLO, L. Nesting habitat of Arapaima gigas (Schinz) in Amazonian floodplains. Journal of Fish Biology, v. 72, n. 6, p. 1520-1528, 2008. ISSN 0022-1112.
CASTELLO, L.; STEWART, D.; ARANTES, C. Modeling population dynamics and conservation of arapaima in the Amazon. Reviews in Fish Biology and Fisheries, v. 21, n. 3, p. 623-640, 2011. ISSN 0960-3166.
CASTELLO, L.; STEWART, D. J. Assessing CITES non‐detriment findings procedures for Arapaima in Brazil. Journal of Applied Ichthyology, v. 26, n. 1, p. 49-56, 2010. ISSN 0175-8659.
FARIAS, I. P. et al. Evidence of polygamy in the socially monogamous Amazonian fish Arapaima gigas (Schinz, 1822)(Osteoglossiformes, Arapaimidae). Neotropical Ichthyology, v. 13, n. 1, p. 195-204, 2015. ISSN 1679-6225.
FONTENELE, O. Hábitos de desova do pirarucu,” Arapaima gigas”(Cuvier),(pisces, Isospondyli, Arapaimidae) e evolução de sua larva. Ministério da Viação e Obras Públicas, Departemento Nacional de Obras contra…, 1952.
NÚÑEZ J et al. Reproductive success and fry production of the paiche or pirarucu, Arapaima gigas (Schinz), in the region of Iquitos, . Aquac Res, 2011.
OSMAR FONTENELE. Contribuição para o conhecimento da biologia do Pirarucú, “Arapaima gigas” (Cuvier), em cativeiro (Actinopterygii, Osteoglossidae). REvista Brasileira de Biologia, 1948.
QUEIROZ, H. L. D. Natural history and conservation of pirarucu, Àrapaima gigas’, at the Amazonian Várzea: red giants in muddy waters. 2000. University of St Andrews
TORATI, L. S. et al. Genetic diversity and structure in Arapaima gigas populations from Amazon and Araguaia-Tocantins river basins. BMC genetics, v. 20, n. 1, p. 13, 2019. ISSN 1471-2156.