Testes de avaliação de genotoxicidade
Por: Thayzi O. Zeni
Publicado em: 10/03/2015
Os cromossomos são amplamente utilizados em estudos citogenéticos clássicos, sendo muito comum a observação e quantificação de aberrações durante as divisões celulares. Embora o uso da citogenética forneça resultados precisos, a complexidade do trabalho a ser realizado e a dificuldade causada pela presença de artefatos tem estimulado o surgimento de técnicas mais simples para identificar e quantificar danos cromossômicos (Fenech, 2000). Dentre os métodos alternativos mais comumente utilizados, estão os micronúcleos e os ensaios cometa (van der Oost et al., 2003)
Teste de micronúcleo
Micronúcleo é uma massa de cromatina originada de fragmentos cromossômicos ou de cromossomos inteiros, que se perderam durante a divisão celular, devido aos eventos clastogênicos (quebra de cromossomos) ou aneugênicos (que induzem a aneuploidia ou a segregação cromossômica anormal) (Figura 1). Este método possui a capacidade de detectar a quebra de cromossomos e também a segregação cromossômica anormal (Ribeiro et al., 2003). Baseia-se no fato de que a formação espontânea de micronúcleos é baixa e quase uniforme entre as espécies. Desta forma, efeitos de substâncias que provoquem as quebras cromossômicas ou ainda afetem componentes do fuso ou da região centromérica, podem ser detectados a partir da presença de micronúcleos (Heddle et al.,1991).
Figura 1. Micronúcleo em eritrócito (seta) de sangue periférico de Tilapia rendall. Coloração de Giemsa 5% (Fonte: Rivero, 2007).
A desvantagem deste método está no fato de o teste só poder ser utilizado em células eucarióticas em divisão, não apresentando bons resultados em populações de células que não estejam em divisão ou nas quais as características da divisão celular não sejam bem conhecidas (Fenech, 2000). As vantagens do uso desse método, entretanto, são inúmeras. Carvalho et al. (2002) apontaram a possibilidade de avaliação de um grande número de amostras de maneira relativamente rápida e o fato deste não ser invasivo, permitindo identificar aumento na frequência de mutações em células expostas à inúmeros agentes genotóxicos. Esse método também é considerado simples, confiável, sensível e de baixo custo (Russo et al., 2004), o que possibilita rápida detecção de impactos genotóxicos nos organismos.
Além das características mencionadas, o teste de micronúcleo pode ser utilizado em qualquer tipo de população celular em proliferação, sem que haja necessidade de conhecimento prévio do cariótipo do animal avaliado (Hayashi et al., 1998). Por estes motivos, esta técnica é indicada para triagens de rotina e monitoramentos ambientais (Siu et al., 2003), permitindo assim a avaliação dos impactos biológicos em ambientes aquáticos poluídos.
Devido ao fato de peixes apresentarem cromossomos de tamanho reduzido e geralmente em grande quantidade, as pesquisas de aberrações cromossômicas durante a metáfase tornam-se difíceis (Hayashi et al., 1998). As análises de micronúcleo, entretanto, são relativamente simples de serem realizadas, uma vez que peixes possuem eritrócitos nucleados (Hayashi et al., op. cit.).
O ensaio cometa
O ensaio cometa, ou eletroforese em gel de célula única, é um método utilizado na pesquisa de lesões genômicas, que evoluem para mutações quando não corrigidas (Gontijo e Tice, 2003). Este método pode ser realizado em qualquer célula nucleada eucariótica (Mitchelmore e Chipman, 1998) e apresenta como vantagens a alta sensibilidade para a detecção de danos no DNA, a possibilidade de uso de um número reduzido de células, a facilidade de execução e o custo acessível (Tice et al., 2000). Além de apresentar boa produtividade e ser aplicável em qualquer organismo eucarioto (Castro, 2004).
O ensaio cometa é uma ferramenta fundamental de investigação em estudos de reparo de DNA, biomonitoramento ambiental e teste de genotoxicidade (Ross et al., 1995).
A técnica do cometa se baseia na detecção de fragmentos de DNA que, após indução por eletroforese, migram a partir do centro nuclear com uma velocidade superior a do DNA intacto, formando uma estrutura com aspecto de cauda de cometa (Tice et al.,1990) (Figura 2).
Figura 2. Resultado obtido após a exposição de Oreochromis niloticus ao cromo. A. Classe 0 (célula sem danos); B. Classe1 (célula com pequenos danos); C. Classe 2 (danos médios) e D. Classe 3 (muitos danos). Fonte: Matsumoto et al., 2006.
A principal vantagem do ensaio de cometa é sua alta sensibilidade a inúmeros tipos de danos de DNA (Bucker et al., 2006), sendo considerado em alguns casos, mais sensível à ação de agentes genotóxicos do que o teste de micronúcleo (Matsumoto et al., 2006).
Por conseguinte, pode-se inferir que tanto o teste de micronúcleo, quanto ensaio cometa são bons marcadores biológicos para a avaliação de genotoxicidade, sendo possível sua utilização em laboratório e/ou a campo.
Referências
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