O fenômeno da maré vermelha e as implicações ao cultivo de moluscos bivalves
Por André Luiz Vicente
Publicado em 16/09/14
A maré vermelha, também conhecida como “floração de algas nocivas”, é um fenômeno decorrente do aumento em larga escala da produção de microalgas marinhas e é caracterizada pela mudança na coloração da água na superfície do mar, comumente avermelhada, também pode se apresentar com tonalidade marrom ou alaranjada.
Figura 1. Maré Vermelha Santa Catarina
A floração de pequenas algas chamadas dinoflageladas, que representam um dos grupos mais abundantes de plâncton marinho, caracteriza uma das principais causas da maré vermelha. Outros organismos como cianobactérias e diatomáceas também podem estar presentes durante a ocorrência do fenômeno.
Os dinoflagelados são seres unicelulares que possuem dois flagelos diferenciados. Um flagelo é orientado segundo o eixo da célula (longitudinal), e o outro flagelo encontra-se disposto ao redor da célula (transversal). O flagelo transversal é responsável pela locomoção da alga e geralmente possui a forma de uma hélice. A reprodução destes organismos pode ser assexuada por simples divisão ou sexuada com a formação de gametas.
Figura 2. Maré Vermelha Rio de Janeiro
A acelerada reprodução das algas com a proporcional extenuação (morte) das mesmas, faz com que ocorra a liberação de elevadas concentrações de substâncias tóxicas, podendo ocasionar a morte em larga escala de peixes e moluscos. Em geral, os moluscos bivalves, por serem organismos filtradores e se alimentarem destes organismos, são os mais acometidos.
Figura 3. Maré Vermelha Australia
As ficotoxinas se dividem em diferentes grupos. Entre algumas das espécies que ocasionam a alteração na coloração da água estão a Ceratium fusus, Dinophysis acuminate, Gymnodinium sanguineum e Noctiluca scintillans. As ficotoxinas que podem causar sérios problemas de saúde em humanos se ingeridas através de peixes e moluscos dividem-se especificamente em cinco grupos: toxinas diarreicas (Diarrhetic shellfish poisoning – DSP), paralisantes (Paralytic shellfish poisoning – PSP), amnésicas (Amnesic shellfish poisoning – ASP), ciguatoxinas (Ciguatera fish poisoning – CFP) e aindaas cianotoxinas (Cyanobaterial toxin poisoning – CTP). Existem também algumas espécies de algas que não são tóxicas a humanos, porém são nocivas a peixes e invertebrados, entre as quais diversas espécies de zooplânctons chamados quetóceros como o Chaetoceros aequatorialis, C. contortus e C.subtilis.
Figura 4. Ceratium fusus
Figura 5. Dinophysis acuminata
Outro aspecto evidente durante as florações de algas nocivas é o bloqueio efetuado pela camada de algas na lâmina d’água, impedindo a incidência e a passagem de luminosidade, atenuando o processo fotossintético e reduzindo de forma significativa os níveis de oxigênio dissolvido na água. A frequência, intensidade e dispersão geográfica com que ocorre este fenômeno, está diretamente relacionada à poluição e ao processo de eutrofização das águas marinhas. Fatores como a temperatura, luminosidade e salinidade associados com níveis elevados de nutrientes (matéria orgânica), contribuem para que ocorra um bloom de microalgas, favorecendo o surgimento das manchas na água, características deste fenômeno.
De evidência comprovada atualmente, até bem pouco tempo atrás as ficotoxinas não eram consideradas um problema na costa brasileira. Alguns dos casos previamente registrados, relatavam apenas mortalidade de peixes ou outros organismos marinhos e havia o registro de apenas um caso suspeito de intoxicação em humanos no litoral do Nordeste. Somente em 1990, ocorreu em Santa Catarina um indicativo de intoxicação por toxina diarreica (DSP), pelo consumo de mexilhões Perna perna. Após este caso a hipótese de contaminação com ficotoxinas foi considerada, porém, a confirmação etiológica da contaminação só aconteceu alguns anos depois.
Duas décadas atrás, eram raros os registros de síndromes decorrentes do consumo de moluscos bivalves contaminados com ficotoxinas na costa brasileira. Porém, fatores como o aumento das pesquisas, o uso de métodos analíticos para a detecção de toxinas, e em especial o aumento na produção e no consumo de moluscos bivalves fizeram com que esse panorama fosse alterado. Além do extrativismo que ocorre em todo litoral brasileiro, o cultivo de ostras, mexilhões e vieiras cresceu exponencialmente nos últimos anos, em especial no litoral de Santa Catarina, maior produtor de moluscos bivalves cultivados do Brasil, favorecendo o aumento no consumo e, consequentemente, maior exposição dos consumidores às ficotoxinas.
Em agosto último, o fenômeno da maré vermelha foi observado nos municípios de São Francisco do Sul, Porto Belo e Palhoça, no litoral de Santa Catarina. A Secretaria Estadual da Agricultura e da Pesca então determinou através de medida preventiva a completa suspensão da retirada, comércio e consumo dos moluscos bivalves cultivados nestes municípios1 2.
Em 09 de maio de 2012, foi criada a Instrução Normativa Interministerial (MPA e MAPA) nº 07, que instituiu o Programa Nacional de Controle Higiênico-Sanitário de Moluscos Bivalves (PNCMB).Através do programa foram estabelecidos requisitos mínimos necessários para a garantia da inocuidade e qualidade dos moluscos bivalves destinados ao consumo, permitindo aos órgãos responsáveis não só realizar o monitoramento de microrganismos contaminantes e de ficotoxinas marinhas em moluscos bivalves cultivados ou oriundos de bancos naturais, como estabelecer requisitos de inspeção industrial e sanitária para o processamento e transporte desses produtos.
Devido ao aumento da incidência de casos de contaminação por algas nocivas registrados nos últimos anos, autoridades e a comunidade acadêmica têm aumentado consideravelmente os esforços em relação ao investimento em pesquisas com ficotoxinas, possibilitando com que cada vez mais informações a respeito deste assunto de grande interesse estejam disponíveis ao público, em especial por ser um assunto de saúde pública.
Figura 6. Noctiluca scintillans
Agradecimento: M.Sc Robson Ventura de Souza (CEDAP-EPAGRI) e Daniel Ramos Henriques.
Literatura consultada:
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