Por Giorgi Dal Pont
17 de janeiro de 2017
Assim como ocorre com os vertebrados terrestres, os peixes hidrolisam proteínas da dieta durante o processo de digestão e, com isso, produzem compostos nitrogenados. Tais compostos são normalmente excretados na forma de amônia, ureia e óxido de trimetilamina (TMAO), creatinina e ácido úrico. Alguns desses compostos nitrogenados apresentam maior taxa de difusão em comparação a outros e por esse motivo, apresentam diferenças nas vias de excreção. A amônia, ureia e TMAO, que apresentam alta taxa de difusão, são prioritariamente excretados pelas brânquias, enquanto que creatinina e ácido úrico, compostos que apresentam baixa taxa de difusão são excretados pelos rins. Dessa forma, é demonstrado que peixes teleósteos apresentam duas importantes rotas de excreção dos componentes nitrogenados: a branquial (principal via) e a renal.
A amônia é o principal composto produzido por peixes após o catabolismo de aminoácidos. Em soluções aquosas, como o meio intracelular e o ambiente aquático, a amônia está presente em duas formas químicas: a ionizada (NH4+) e a não-ionizada ou gasosa (NH3); e a soma delas é denominada de amônia total (AT= NH3 + NH4+). O pH e a temperatura são os principais fatores que contribuem no processo de dissociação de NH4+ em NH3, apresentando uma relação direta com a concentração de NH3 no meio. Além disso, NH4+ é pouco permeável em membranas biológicas quando comparada à NH3. Por esse motivo, na maioria das vezes a amônia atravessa membranas biológicas, em ambos sentidos, na forma de NH3.
Esse mecanismo osmorregulatório relacionado à permeabilidade de membranas que permite que a amônia não-ionizada (NH3) seja facilmente excretada para o meio, ou absorvida do ambiente, também se caracteriza como um ponto fraco em cenários de estresse ambiental. Nesse tipo de cenário, a corrente sanguínea do animal é inundada por catecolaminas e cortisol. As alterações desencadeadas pela ação desses hormônios podem modificar a permeabilidade da membrana branquial alterando a capacidade de trocas gasosas e de excreção de amônia. Em situações onde a amônia não pode ser excretada eficientemente, algumas espécies de peixes evitam o acúmulo desse composto altamente tóxico no meio extracelular por meio da sua transformação em ureia e glutamina. Apesar da ureia apresentar menor toxicidade em comparação à amônia, a sua síntese consome grandes quantidades de energia (ATP).
Outra opção frente aos efeitos tóxicos da amônia é a sua conversão em glutamina. Assim como a ureia, a glutamina apresenta baixa toxicidade e pode ser armazenada no organismo até que os níveis de amônia voltem ao normal. Por outro lado, o armazenamento de glutamina no meio intracelular pode levar a uma alteração osmótica da célula, com consequente influxo de água.
Tais situações de estresse podem ser causadas por diversos agentes estressores. Dentre eles, os agentes estressores químicos, caracterizados na sua maioria por contaminantes ambientais, têm sido considerados os principais causadores de alterações em peixes nos diversos níveis de complexidade biológica – desde níveis genéticos, passando por bioquímicos, fisiológicos e comportamentais, até alterações em populações e comunidades. Nesse grupo, são englobados desde contaminantes orgânicos e pesticidas isolados até misturas complexas de várias substâncias tóxicas.
Uma mistura complexa de ampla utilização em todo o mundo é o petróleo. Além da sua versão bruta (puro), também é transportado e utilizado na forma de derivados como o óleo diesel e a gasolina. O petróleo e seus derivados consistem da mistura de vários compostos orgânicos distintos, principalmente hidrocarbonetos, formados pela decomposição incompleta da matéria orgânica. Os hidrocarbonetos de cadeia curta, que incluem os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), são na sua maioria voláteis e possuem um baixo tempo de permanência no ambiente aquático. Esses hidrocarbonetos são considerados os principais compostos determinantes da toxicidade do petróleo para organismos aquáticos. Entretanto, a toxicidade de alguns tipos de derivados do petróleo, como a gasolina e o óleo diesel, está relacionada, principalmente, com a presença de hidrocarbonetos voláteis monoaromáticos (BTEX – benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno). Já os hidrocarbonetos de cadeia longa, apesar de apresentarem maior persistência no ambiente aquático, são considerados menos tóxicos para os peixes.
Quando o petróleo ou um subproduto, como a gasolina, entra em contato com ambiente aquático ocorre: a solubilização de compostos polares e de baixo peso molecular, a evaporação dos componentes voláteis presentes na superfície da água ao mesmo tempo em que o óleo derramado se emulsifica na água e solubiliza parte do óleo derramado, formando a fração do produto solúvel em água – podendo ser esse produto o petróleo ou qualquer um de seus derivados.
A fração solúvel em água (FSA) é uma mistura complexa de HPA, BTEX, fenóis e compostos heterocíclicos contendo nitrogênio e enxofre. Essa fração é biodisponível para os organismos aquáticos, sendo que os peixes podem entrar em contato com ela tanto de forma direta, pelo contato através das brânquias e da pele, quanto indiretamente, através da ingestão de alimento contaminado. Por isso, já existem evidências de que as FSA de produtos refinados como a gasolina e o diesel comercial apresentam toxicidade até cinco vezes maior que a apresentada pelo produto bruto.
O impacto da liberação acidental petróleo e derivados sobre a biota aquática tem sido documentado na literatura científica e técnica. Já foi comprovado que a exposição aguda ou crônica de peixes à essas substâncias, na forma bruta ou na forma de FSA, podem induzir a uma diminuição da eficiência alimentar, apesar do aumento no consumo de alimento, evidenciando uma alteração no metabolismo energético decorrente da exposição. Essa alteração metabólica causa redução no crescimento de peixes e, além disso, pode provocar distúrbios na habilidade respiratória, osmorregulatória, alterações hematológicas e prejuízos ao sistema imunológico.
Além as alterações descritas acima, mudanças na morfologia do tecido branquial (principal tecido responsável pelos processos de excreção da amônia e manutenção da homeostase) já foram descritas em peixes coletados após a ocorrência de derramamento de derivados de petróleo no sul do Brasil e em animais expostos à fração solúvel em água de derivados de petróleo.
Apesar das evidências de que a exposição de peixes à fração solúvel em água de derivados de petróleo se caracteriza como uma importante agente estressor, sendo responsável por alterações fisiológicas diversas e alterações morfológicas no tecido branquial, nenhum trabalho até o presente momento mensurou os efeitos causados aos mecanismos de excreção e metabolismo da amônia em peixes de água doce. Dessa forma, O GIA está criando uma nova linha de pesquisa, em parceria com o professor Chris Wood (Universidade da Colúmbia Britânica – Canadá) para o desenvolvimento de pesquisas com o objetivo de elucidar entender os efeitos da exposição a hidrocarbonetos de petróleo nos mecanismos metabolização e excreção da amônia em peixes dulcícolas. Espera-se que os resultados obtidos possam levar a uma explicação inédita de como tais eventos metabólicos são controlados e alterados em resposta à um agente estressor ambiental.