Biomarcadores de contaminação ambiental: um enfoque na avaliação histológica para o diagnóstico de impactos
Giorgi dal Pont (29/06/2014)
O termo “biomarcador” já recebeu várias definições, sendo geralmente usado com o objetivo de incluir qualquer mensuração que reflita a interação entre um sistema biológico e um risco potencial, o qual pode ser químico, físico ou biológico (Ron van der Oost, Beyer, & Vermeulen, 2003). Peakall (1994) definiu biomarcador como sendo uma mudança na resposta biológica, desde níveis moleculares, passando pelo nível celular e fisiológico até mudanças comportamentais, que pode ser relacionada à exposição a um determinado ambiente contaminado. Os biomarcadores podem ser classificados como de exposição ou efeito. O biomarcador de exposição é definido pela medição de uma substância exógena, seus metabólitos ou o produto da interação entre um agente xenobiótico e alguma molécula ou célula alvo num compartimento de um organismo. O biomarcador de efeito se caracteriza pela alteração de um tecido ou fluido corporal que possa ser relacionada a um impedimento à saúde (Ron van der Oost et al., 2003).
Em geral, alterações decorrentes da exposição a um poluente apresentam maior frequência em nível celular do que em níveis de alta organização biológica, como reprodutivos e comportamentais (Ron van der Oost et al., 2003). Heath (1995) sugere que quando investigações sobre o efeito de um poluente sobre peixes, ou outros organismos, forem realizadas, deve-se focar no espectro de complexidade biológica demonstrado na Figura 1. Da extremidade inicial da seta para a sua extremidade terminal, sugere-se que xenobiontes, ou outros estressores ambientais, exercem seus efeitos primários em níveis enzimáticos ou alteram as funções celulares como a permeabilidade de membranas, por exemplo. Continuando através do espectro de complexidade biológica, a exposição crônica pode levar a disfunções orgânicas, redução do crescimento, alterações comportamentais e consequentemente, alterações populacionais. Dessa forma, o autor esquematiza que o grau de complexidade das respostas biológicas aumenta com o progresso da esquerda para a direita.
Figura 1. Espectro de complexidade biológica no estudo do efeito de qualquer fator ambiental, incluindo poluição (adaptado de Heath (1995)).
Vários biomarcadores têm sido avaliados para melhorar o entendimento das respostas de peixes a substâncias tóxicas e seu potencial uso como biomarcador de exposição ou efeito. Dentre esses marcadores, destacam-se enzimas de biotransformação, parâmetros de estresse oxidativo, produtos da biotransformação, proteínas de estresse (Heat Shock Proteins), metalotioneínas (MT’s), parâmetros genotóxicos, hematológicos, imunológicos, endócrinos, reprodutivos, fisiológicos, histológicos e morfológicos (Ron van der Oost et al., 2003).
Após a exposição do peixe antártico Pagothenia borchgrevinki à fração solúvel do óleo diesel foi observado que essa espécie apresentou significativo aumento no hematócrito e na concentração de hemoglobina, tanto em condição crônica (Davison, Franklin, McKenzie, & Dougan, 1992) quanto aguda (Davison, Franklin, McKenzie, & Carey, 1993). Por outro lado, Akaishi et al. (2004) e Simonato, Guedes, and Martinez (2008) avaliaram a influência da fração solúvel de petróleo e óleo diesel em peixes (Pleuronectes flesus e Phrochilodus lineatus, respectivamente) e observaram uma redução tanto no hematócrito quanto na concentração de hemoglobina. Esses resultados demostram que um mesmo agente tóxico, nesse caso HPA, pode induzir diferentes respostas, possivelmente devido a distintos processos adaptativos das espécies, evidenciando que a utilização de alguns tipos de biomarcadores não apresenta efetividade prática no diagnóstico de impactos em casos de acidentes ambientais (Mount & Henry, 2008).
Até recentemente, vários trabalhos que avaliaram a interação do petróleo e seus derivados em organismos aquáticos focavam esforços no diagnóstico de variações em níveis enzimáticos (A. Cohen, Gagnon, & Nugegoda, 2005; Adam Cohen, Nugegoda, & Gagnon, 2001; Croce & Stagg, 1997; Martínez-Gómez et al., 2009; Nogueira, Rodrigues, Trídico, Fossa, & Almeida, 2010; Pacheco & Santos, 2001; Teles, Pacheco, & Santos, 2003), localizados na base do espectro de complexidade biológica. Entretanto, essa postura vem mudando. Uma nova tendência com enfoque na utilização de diferentes níveis do espectro de complexidade vem sendo adotada e tem sido denominada de múltiplos biomarcadores (Goanvec, Poirier, Le-Floch, & Theron, 2010; Katsumiti et al., 2008; Mos, Cooper, Serben, Cameron, & Koop, 2008; Simonato et al., 2008; Valdez-Domingos et al., 2009). Essa abordagem vem fortalecendo a utilização de biomarcadores de níveis mais altos de complexidade biológica para avaliação de contaminação ambiental.
Complementando a nova tendência do desenvolvimento de pesquisas que utilizam a abordagem de múltiplos biomarcadores, diversos trabalhos vêm apresentando enfoque na utilização de ferramentas histológicas em relação ao diagnóstico de contaminação ambiental, sendo que o petróleo e seus derivados têm sido amplamente explorados, devido à frequência da ocorrência de eventos que levam ao seu aporte em ambientes aquáticos (Akaishi et al., 2004; Katsumiti et al., 2008; Nogueira et al., 2010; Simonato et al., 2008; Valdez-Domingos et al., 2009).
Os biomarcadores histológicos são uma ferramenta muito poderosa para detectar e caracterizar os parâmetros toxicológicos e cancerígenos (Lauren & Hinton, 1990). Em peixes, as lesões histológicas têm uma correlação com o dano oxidativo de alguns compostos presentes tanto no óleo cru quanto no óleo diesel (Pal, Kokushi, Cheikyula, Koyama, & Uno, 2011) como os HPA e os BTEX (Nogueira et al., 2010). Esses biomarcadores têm sido utilizados com bons resultados em uma série de estudos em América do Norte e Europa (Stentiford et al., 2003) e no Brasil (Cardoso, 2006; Simonato et al., 2008; Valdez-Domingos et al., 2009).
Os biomarcadores histopatológicos permitem visualizar os efeitos da exposição a vários poluentes (biológicos e químicos), sendo considerados como uma importante ferramenta na avaliação de características sanitárias em peixes (R Van der Oost, Goksaryr, Celander, Heida, & Vermeulend, 1996). A determinação de efeitos da contaminação por petróleo e seus derivados também pode ser realizada histologicamente, por meio da investigação de lesões e alterações em tecidos como brânquias e fígado (Ron van der Oost et al., 2003). A ampla utilização da histopatologia como uma ferramenta para o diagnóstico de impacto ambiental deve-se à sua posição intermediária dentro do espectro de complexidade biológica (Adams et al., 1989; Heath, 1995) e no aparecimento de alterações em curto e médio prazo, dependendo da concentração do contaminante e do tempo de exposição (Johnson et al., 1993). Além disso, essa técnica apresenta facilidade e rapidez na sua aplicação em vários órgãos (Johnson et al., 1993), principalmente brânquias, fígado, rim e pele (Bernet, Schmidt, Meier, Burkhardt-Holm, & Wahli, 1999).
Nesse contexto, várias metodologias para a avaliação histopatológica já foram descritas sendo que cada uma delas utiliza diferentes abordagens para a avaliação das patologias nos diferentes tecidos (Beçak & Paulete, 1976; Bernet et al., 1999; Bucke, 1989; Cardoso, 2006; Walter, Jones, & Giesy, 2000). A disponibilidade de ferramentas metodológicas que são, ao mesmo tempo, práticas, simples e funcionais, tais como os biomarcadores histopatológicos, podem viabilizar um diagnóstico seguro e confiável dos efeitos da exposição de organismos aquáticos a hidrocarbonetos em caso de acidentes ambientais.
Bibliografia Citada:
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